Título: Para pagar juros, 22 dias de trabalho
Autor: Patrícia Campos Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2005, Economia, p. B3

Encargos financeiros de cheque especial e cartão consomem uma parcela cada vez maior da renda anual dos brasileiros

O brasileiro trabalha 22 dias por ano só para pagar os juros do cartão de crédito, cheque especial, crédito pessoal, prestação de automóvel e outros empréstimos. O valor ainda perde para impostos (4 meses e 13 dias) e alimentação (72 dias), mas está crescendo. Segundo levantamento da Partner Consultoria, os brasileiros estão se endividando mais e os juros consomem uma parcela cada vez maior de sua renda. Eram 5% em março de 2002 (18 dias por ano), e passaram para 6,1% da renda média do brasileiro em 2005. Aumento na demanda por crédito, maior disposição dos bancos para emprestar para pessoa física, cenário macroeconômico estável explicam o crescimento do crédito. Expansão de novas modalidades de crédito (desconto em folha e para aposentados) também impulsionaram empréstimos.

Desde 1995, logo após a implantação do Plano Real, até hoje, o crédito para pessoa física quintuplicou - foi de R$ 25 bilhões para R$ 124 bilhões. Já o crédito para empresas (pessoa jurídica) cresceu a taxas menores - saiu de R$ 59 bilhões em 1995 para R$ 165,6 bilhões em março de 2005. "Há mais concorrência entre os bancos e financeiras, e um maior volume de crédito para pessoa física", diz Álvaro Musa, sócio-diretor da Partner Consultoria.

Para Musa, o aumento do gasto do brasileiro com juros não é necessariamente ruim. "O nível de crédito em relação ao PIB ainda é muito baixo, as pessoas não estão muito endividadas", diz. O crédito para pessoa física, que era inferior a 2% do PIB em 1995, subiu para 8% hoje. "Mas o ideal seria chegar a pelo menos 12%, índice semelhante ao do Chile."

Outro fator que tem levado as pessoas a fazerem mais empréstimos é a redução do spread bancário (diferença entre o custo de captação e o valor cobrado dos tomadores), o que barateou o custo do dinheiro. O spread médio para pessoa física caiu de 175 pontos porcentuais em janeiro de 1995 para 45,34 pontos em março de 2005, segundo o Banco Central.

Mesmo assim, especialistas alertam para os exageros. Muitas pessoas não sabem quanto pagam de juros e acabam se sobrecarregando. Fábio Bernardes Augusto, de 27 anos, começou estourando o cheque especial, passou para uma dívida de R$ 3.158 e hoje deve R$ 7.192 ao banco. Paga juros mensais de 11%. Como consultor de uma empresa telefônica, Augusto ganha R$ 850 por mês. Além da dívida do cheque especial e cartão de crédito, ele paga prestações de geladeira, fogão e móveis das Casas Bahia. Augusto calcula que gaste, em média, R$ 500 em prestações e juros, todo mês. "Moro com meus pais, senão não ia conseguir", diz Augusto, que se separou da mulher.