Título: Agora, o bicombustível para pesados
Autor: Cleide Silva
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/05/2005, Economia, p. B5

Empresas se preparam para a produção em série de ônibus e caminhões que terão motores flexíveis para diesel e gás natural

Depois do sucesso dos automóveis bicombustíveis, que já representam quase 40% das vendas de modelos novos no País, as empresas se preparam para a produção em série de caminhões e ônibus com motores flexíveis. Nessa categoria, em vez de gasolina e álcool, o abastecimento será com diesel e gás natural. Também haverá opção do tricombustível, com o uso do biodiesel. A projeção é de que essa tecnologia seja lançada comercialmente até o fim do próximo ano. Segundo a Delphi, uma das empresas que desenvolvem sistemas flexíveis, o caminhão ou ônibus bicombustível vai reduzir os gastos por quilômetro rodado. A estimativa é de que a mistura de diesel e gás sairá 30% mais barata e emitirá menos poluentes. O sistema vai usar diesel nas partidas e, depois de 1,2 mil rotações por minuto, o gás será injetado, podendo chegar a uma proporção de 90% a 95% de gás.

"O sistema vai mudar a cara do Brasil, pois teremos muitos ganhos em relação ao meio ambiente, ao bolso do consumidor e à balança comercial, pois a importação de petróleo será reduzida", afirma Vicente Pimenta, gerente de Qualidade e Desenvolvimento de Projetos Especiais da Delphi. Segundo ele, em regiões onde não há oferta de gás, o veículo poderá rodar só com o diesel.

A Delphi já negocia o fornecimento do sistema, totalmente desenvolvido no Brasil, com fabricantes de motores e uma grande montadora. O sistema será apresentado quarta-feira a técnicos e empresários de 24 países durante seminário sobre combustíveis alternativos que será realizado no Rio de Janeiro, organizado pela Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil).

Pimenta calcula que o uso do gás pode proporcionar economia de R$ 20 por hora constante em que o veículo rodar. Para uso em ônibus nas cidades, a economia deve ficar entre R$ 8 e R$ 10 por hora de rodagem. "No futuro, veículos pesados bicombustíveis ou abastecidos com biodiesel devem ter participação tão importante na frota brasileira quanto a dos automóveis flexíveis", diz.

O motor receberá um sistema eletrônico que vai dosar o uso dos dois combustíveis. A partida ocorre com a queima do diesel, mas na sequência passa para o gás. Os cilindros do produto devem ser encaixados no chassi. Segundo Pimenta, esse sistema original vai custar bem mais barato do que a transformação informal em oficinas. Além disso, o usuário poderá rodar 100% com diesel ou então com 90% a 95% de gás e o restante com diesel.

BIODIESEL

Independente da tecnologia bi ou tricombustível, o uso do biodiesel também vai crescer no País. Todas as montadoras de caminhões e ônibus participam do Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico de Biodiesel, o ProBiodiesel, do governo federal, para testar o desempenho dos veículos.

A mais adiantada é a Volkswagen, a primeira a lançar no mercado um automóvel bicombustível, há dois anos. A empresa espera ter o sinal verde para o uso comercial do sistema em veículos pesados no fim deste ano ou início de 2006.

O governo já aprovou o uso de 2% de biodiesel - óleo vegetal extraído de sementes de soja, mamona, girassol e dendê, entre outros - ao diesel derivado do petróleo. Essa mistura, segundo as montadoras, não exige alterações nos motores.

As empresas se anteciparam e testam porcentual maior, de 5%. Já há interessados também no mix de 20%, mas testes com essa proporção ainda não começaram. Na semana passada, em visita à fábrica da Volks em São Bernardo do Campo (SP), o presidente Lula conheceu um ônibus fabricado em Resende (RJ) que utiliza biodiesel.

O engenheiro de Produto da Volks Gian Marques calcula que, para cada porcentual de adição de biodiesel há redução equivalente em emissões de poluentes. Segundo ele, na Europa e EUA o biodiesel está sendo extraído da colza, planta típica de regiões frias, mas o produto é adicionado ao metanol, menos eficiente que o álcool da cana-de-açúcar.

A Coca-Cola tem uma frota já em circulação em Ribeirão Preto (SP) de caminhões abastecidos com 5% de biodiesel à base de soja. Oito veículos são monitorados pela Volks, que já comprovou a eficiência da mistura. A montadora aguarda a validação da tecnologia para lançar o produto oficialmente.

A Volks também testa o produto em dois ônibus na Viação Real, do Rio de Janeiro. Nos próximos dias, fará outra parceria com a fabricante de biscoitos Piraquê, que terá em sua frota 4 caminhões movidos com 5% de biodiesel.

Antes do lançamento em série dos veículos, as empresas querem garantia de abastecimento. Hoje, o País tem apenas duas usinas de biodiesel. "Para atender a demanda com 2% de mistura, seria necessária a produção de 800 milhões de litros ao ano de biodiesel. Com 5%, seriam necessários 2 bilhões de litros", diz Marques.