Título: Focos de tensão entre Lula e PT são evidentes
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Nacional, p. A4

Petistas reclamam de descompasso do presidente, que se queixa de trapalhadas do partido

Dois anos e meio de governo e um Roberto Jefferson no caminho bastaram para escancarar a crise de relacionamento entre o PT e seu fundador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas reuniões do partido, integrantes da cúpula petista responsabilizam Lula por um bom pedaço das dificuldades enfrentadas pelo governo. Os focos de tensão entre o Planalto e o PT são cada vez mais evidentes. Irritado, Lula ameaça não concorrer à reeleição, em 2006. "Todos nós sabemos o nome da crise. Só não podemos dizer qual é", disparou um ministro, em maio, durante reunião do campo majoritário do PT - grupo que reúne a ala moderada -, antes das denúncias feitas pelo presidente do PTB. A referência era a Lula, que demora a tomar decisões, prolonga situações insustentáveis e culpa o PT por todos os percalços.

Os problemas de convivência agravaram-se depois das bodas de prata da sigla, em fevereiro. De lá para cá, PT e governo trombaram em vários episódios: da derrota na eleição para a presidência da Câmara à instalação da CPI dos Correios, muitas foram as rusgas. Dominada pelos moderados, a cúpula petista conseguiu escamotear as insatisfações com mão de ferro, produzindo até mesmo uma proposta melhor do que a encomenda palaciana para o novo programa do partido.

Mas a crise política desencadeada a partir das denúncias de Jefferson sobre o "mensalão" desbotou a bandeira da ética. Os atritos vieram à tona e o pote de mágoas transbordou. "Pegaram o que era mais sagrado para o PT e transformaram no profano", comparou o deputado Walter Pinheiro (PT-BA).

Em reuniões a portas fechadas, fora do Planalto, um ministro petista do núcleo político comparou o comportamento do presidente ao de um "autista", fechado em si mesmo e parecendo ignorar o "tsunami" que atingiu o governo. Aumentaram, então, as pressões para a reforma ministerial e por um "choque ético" na administração.

"Acontece que Lula não quer fazer mudanças de fôlego sob pressão", disse o deputado Devanir Ribeiro (SP), do grupo moderado. "Já disse a ele: tem de mexer nessa equipe!. Se dermos uma balançada no governo e tomarmos providências para investigar a compra de votos, dá para reverter o estrago. Hoje, quando deputado sai na rua, todo mundo olha torto. Eu mesmo estou envergonhado."

CHOQUE

O presidente ficou irritadíssimo com a alusão a um "choque ético" e com o diagnóstico do ministro das Cidades, Olívio Dutra, para quem a crise é resultado das "más companhias" do governo. "Quer dizer que quem trabalha comigo não é ético?", esbravejou. "Olha, o PT não é fácil..."

Lula tem reclamado das "trapalhadas" do partido. "Eu não serei candidato novamente desse jeito. Não existe projeto individual, mas muitas pessoas parecem não entender isso", desabafou ele, em conversa com os companheiros.

Apesar das evidências, o presidente do PT, José Genoino, nega a rota de colisão com o governo. "Não existe distanciamento nem areia nem nada", disse Genoino, que concorrerá a um segundo mandato, em setembro, sob fogo cruzado de seis outros candidatos ao comando do PT. "A verdade é que Lula tem razão quando faz alguma crítica, porque o PT sempre perde quando se divide."

No auge da crise, o deputado Paulo Delgado (PT-MG) chegou a fazer pronunciamento em plenário sugerindo a dissolução das tendências petistas para unir o partido. Mais radical, seu colega Ivan Valente (PT-SP) propôs uma caminhada da bancada ao Planalto, batizada de "Marcha da Sensatez", para pedir a Lula que assinasse o divórcio litigioso com os "aliados fisiológicos" do PTB, PP e PL. "Vivemos a crise do desencanto", resumiu o deputado Chico Alencar (PT-RJ). O dilema entre a teoria do partido e a prática do governo continua na berlinda.