Título: Reforma política é tábua de salvação em todas as crises
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Nacional, p. A8

Depois dos escândalos dos Correios e do mensalão,

presidente Lula volta a dizer que medida é 'imprescindível'

Roldão Arruda

Acuado pelas denúncias de compra de parlamentares, o governo federal voltou a lembrar que o País precisa de uma reforma política. Ao discursar na abertura do Fórum Global de Combate à Corrupção, na terça-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou um ar enfático para dizer que "a reforma se faz imprescindível." No dia seguinte, numa tentativa de mostrar agilidade, encarregou o ministro da Justiça da tarefa de preparar um pacote de medidas para tornar a reforma possível, com o prazo de 45 dias para encaminhá-lo ao Congresso. Foi jogo de cena. Até as pedras portuguesas da Praça dos Três Poderes sabem que há tempos o Congresso tem seu próprio projeto. Carimbado como PL 2679, ele já foi discutido à exaustão e desde dezembro de 2003 está encalacrado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Também é sabido que o projeto só não vai a votação porque três partidos da base de apoio do governo - PTB, PL e PP - fogem da reforma como o diabo foge da cruz.

"Sempre que se vê às voltas com alguma crise, o governo fala em reforma", acusa o deputado Ronaldo Caiado (PFL-GO), relator do projeto na Comissão Especial de Reforma Política. "A primeira vez foi no escândalo de cobrança de propinas envolvendo o assessor Waldomiro Diniz, em fevereiro de 2004."

Aconteceu o mesmo quando eclodiram os escândalos dos gafanhotos de Roraima, em março, e dos vampiros dos bancos de sangue, em maio. O último rompante governamental em prol da reforma tinha sido em dezembro do ano passado, quando tornou-se notório o troca-troca partidário que desagradou na ampliação da base do governo.

FALTA CORAGEM

Não são apenas políticos da oposição que criticam o governo. Analistas da cena política também vêem com desconfiança as promessas do presidente.

"Isso não passa de enrolação", diz o especialista David Fleischer, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). "Se tivesse coragem e sabedoria, o governo aproveitaria a comoção gerada por essa crise para pressionar e conseguir a aprovação do projeto que mofa há um ano e meio da Comissão de Justiça."

Na opinião do cientista político Rubens Figueiredo, diretor geral do Cepac - Pesquisa & Comunicação, a lembrança da reforma política neste momento apenas confirma que "a agenda política nacional caminha aos espasmos". Para ele, "é um erro imaginar o debate da reforma como uma panacéia para os momentos de crise".

Um indicador de que, ao defender a reforma, o presidente apenas fez jogo de cena foi o prazo de 45 dias que deu ao ministro para apresentar o pacote de sugestões. Parece ignorar a corrida contra o tempo que os defensores das mudanças enfrentam no Congresso. Se o PL 2679 não for publicado no Diário Oficial da União até 30 de setembro, não poderá vigorar nas eleições de 2006.

Outro fato lembrado para mostrar que o jogo não é pra valer foi a ausência de referência aos cargos comissionados. Estima-se que já chega a 30 mil o número de vagas na administração pública e nas empresas estatais que o governo usa para acomodar petistas ou negociar apoio de outros partidos.

Na opinião de especialistas, tais cargos trazem um constante risco de escândalos, como ficou evidente nos casos recentes dos Correios e do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). "Quem observar o que aconteceu nos Correios, verá que o governo colocou representantes de três partidos na direção daquela empresa", diz o cientista político Fernando Abruccio, da Fundação Getúlio Vargas. "Isso é o primeiro passo para a corrupção e a ineficiência."

Segundo Abruccio, se tivesse vontade política o governo poderia reduzir esse número de cargos e moralizar a administração pública com uma canetada: "Basta uma lei ordinária. Enquanto ela não vem, ficamos sujeitos a essas crises, que ficam mais agudas a cada onda."

Ninguém culpa Lula pela existência de leis atrasadas, que enfraquecem os partidos e favorecem a corrupção. Também não se nega que problemas semelhantes existiram no governo de Fernando Henrique Cardoso. O que se afirma é que o atual governo ainda não mostrou vontade política para melhorar a situação. Pior, teria usado leis atrasadas a seu favor.