Título: Para recuperar poder, Amorim muda Itamaraty
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Nacional, p. A11

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, desencadeou uma discreta operação para reduzir o poder de influência de seu amigo há 40 anos e seu braço-direito, o polêmico embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Na redefinição nos novos quadros da Casa, o secretário-geral das Relações Exteriores viu os postos serem ocupados, na sua maioria, por assessores diretos do gabinete do chanceler. Suas indicações perderam força e, até a última sexta-feira, havia o risco de boa parte de seus novos subordinados despacharem menos freqüentemente em seu escritório. As mudanças foram sacramentadas em uma cerimônia discreta na sala de coordenação da Secretaria-Geral, no final da tarde de sexta-feira.

Normalmente, esse tipo de evento ocorria em um local aberto, na sala dos Tratados, que está no mezanino do Palácio Itamaraty. Amorim discursou em favor da "renovação dos quadros da casa" e recebeu os cumprimentos ao lado de seu companheiro Pinheiro Guimarães. Deu posse a quatro de seus assessores diretos, que assumiram posições-chave no ministério, e a mais dois diplomatas, considerados de sua extrema confiança. Ainda consumou a divisão da Subsecretaria-Geral de Assuntos Políticos, uma das áreas-chave do Itamaraty.

Com essa divisão, a recém-criada SGAP-1, dedicada a temas multilaterais e às relações com os Estados Unidos, a Europa Ocidental e demais países mais ricos, foi entregue ao embaixador Antônio Patriota, chefe de gabinete de Amorim até a última quinta-feira. A SGAP-2, concentrada nas relações bilaterais com os países em desenvolvimento, foi destinada ao embaixador Pedro Motta Pinto Coelho, antes diretor do Departamento de África do Itamaraty e um dos principais assessores do chanceler nas investidas do governo brasileiro no continente africano.

Amorim decidiu ainda nomear para a Subsecretaria-Geral de Assuntos de América do Sul (SGAS) um profundo conhecedor do continente, o embaixador José Eduardo Felício, que atuava no gabinete do chanceler como um assessor especial. Para tanto, decidiu nomear o então titular, embaixador Luís Felipe Macedo Soares, diplomata mais vinculado a Pinheiro Guimarães, para a missão do Brasil junto à Unesco, em Paris.

Outros dois assessores diretos de Amorim foram contemplados com posições relevantes. A ministra Maria Nazareth Farani Azevedo assumiu a chefia de gabinete. O ministro Antonio Simões foi destacado para a Secretaria de Planejamento Diplomático.

Para a Subsecretaria-Geral de Assuntos Econômicos, área que trata das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC), Amorim destacou o embaixador Pedro Carneiro de Mendonça, outro diplomata de sua total confiança. O titular dessa área, embaixador Clodoaldo Hugueney, foi designado para um dos postos-chave do Brasil no exterior neste momento, a chefia da missão do Brasil junto à OMC.

Nos corredores do Itamaraty, essas mudanças foram interpretadas como uma iniciativa de resgate, pelo chanceler, de parte do poder que havia delegado a Pinheiro Guimarães desde o início do governo Lula. Em parte, essa decisão teria sido impulsionada pela insatisfação dos diplomatas em serviços no exterior e em Brasília com relação a medidas adotadas pelo secretário-geral, que aumentaram gradualmente a burocracia e desviaram as ações das tarefas consideradas prioritárias até para a política externa do País.

Amorim, entretanto, considerou essa avaliação como uma "fabulação" e reiterou sua "total confiança" em Pinheiro Guimarães. Ao Estado, disse que não tinha dúvidas em relação aos antigos titulares dos postos-chave do Itamaraty, mas que, nessa mudança, preferiu desencadear uma "renovação", com a indicação de diplomatas mais jovens. Demonstrou sua estranheza quando questionado sobre as queixas internas sobre seus longos períodos fora do País. "Posso não estar aqui sempre, mas sei tudo o que se passa. Às vezes, a ficção parece ser mais interessante que a realidade."