Título: Campanha tem custos políticos e econômicos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Nacional, p. A10

Analistas acham que ela ajuda a azedar as relações com a Argentina, por exemplo; Itamaraty diz que não

O assento permanente - e mesmo a sua aspiração - não é sem custo. Na visão de analistas, ele tem cobrado seu preço na problemática missão no Haiti, nas conflitivas relações com a Argentina, na diminuição da coesão entre os grandes países latino-americanos para fazer face à instabilidade na região, em compromissos complicados como os que o Brasil fez no mês passado ao promover a cúpula com os países árabes. "Desde que o governo Lula começou a dar muita importância à reforma do Conselho e à candidatura do Brasil, e à medida que se aproximava o relatório de março (que abriu a discussão), foi-se acentuando o conflito com a Argentina", observa o argentino Eduardo Viola, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília. "O México também não quer. Isso faz com que haja menor capacidade de lidar com a crise de governabilidade da América do Sul."

Para o Itamaraty, os conflitos comerciais com a Argentina não têm relação com a candidatura brasileira. O subsecretário-geral Antonio Patriota lembra que um diplomata argentino participou, no ano passado, da delegação brasileira no Conselho. Este ano, Brasil e Argentina ocupam cadeiras rotativas. Ano que vem, quando o Brasil sair, um brasileiro estará na delegação argentina. "Isso demonstra que não existem segredos, reservas", argumenta Patriota, que serviu na delegação da ONU. "Isso fala por si só."

Para Sônia Camargo, especialista em América Latina da PUC do Rio, uma coisa é dividir um assento rotativo com um vizinho, outra é assisti-lo ganhar um assento permanente. "O governo Kirchner acha que o Brasil deveria tomar decisões mais coletivamente", diz a professora, lembrando a irritação argentina com o protagonismo brasileiro no caso do asilo ao presidente deposto do Equador, Lucio Gutiérrez, em abril.

"O atual governo fez do assento permanente uma diretriz e vem norteando o conjunto de ações da política externa, que acabam se subordinando a essa prioridade", analisa Celso Lafer, chanceler no governo FHC. Lafer lembra a experiência na Liga das Nações, nos anos 20, quando o Brasil disputou com a Alemanha um assento permanente. Perdeu a briga e sua presença na Liga se tornou insustentável. "O governo de Artur Bernardes também fez desse tema equivocadamente prioridade da política externa."

Para Lafer, a forma como a Cúpula América do Sul e Países Árabes foi preparada, ou como não foi, sem reuniões prévias de chanceleres e de ministros do Comércio Exterior, mostra que seu objetivo principal não era econômico. "A razão maior da cúpula foi buscar protagonismo", diz. "Acabou sendo um esforço de granjear simpatias árabes para o Conselho." Segundo ele, a recusa ao pedido americano de enviar um observador foi destinada a "realçar a altivez" do Brasil. Depois, o chanceler Celso Amorim teve de ir a Israel, botar panos quentes.

"O Haiti está numa situação muito difícil, que precisa de uma tarefa de construção da paz", opina Lafer. "Nós estamos fazendo manutenção da paz, não estamos à altura do desafio. Eu me pergunto em que medida a cidadania brasileira está disposta a aceitar custos econômicos dessa natureza."

Ricardo Seitenfus, consultor da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), concorda que a atuação brasileira no país esteja vinculada a sua aspiração. Mas acha que reduzi-la a isso seria "amoral". Ele atribui as dificuldades da missão comandada pelo Brasil à falta de tradição democrática, à miséria da maioria da população, à inexistência de um Estado e ao "mandato ambíguo". No entanto, pondera ele, "não há no Haiti uma guerra civil justamente porque a Minustah encontra-se em ação".

De qualquer forma, "os soldados brasileiros jamais se comportarão como os 'marines', compara Seitenfus. "Caso tal forma de atuar, que considero a mais conveniente e adaptada às necessidades da população haitiana, venha a ser desaprovada pela comunidade internacional através do Conselho de Segurança, sugiro que o Brasil retire seus soldados do Haiti."

São polêmicas que ficarão mais freqüentes, se a política externa do governo Lula alcançar seu objetivo maior.