Título: Nacionalização mantém Bolívia tensa
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Internacional, p. A14

O brasileiro que abastece seu carro a gás não tem a menor idéia da confusão que ele cria na Bolívia. Não que ele tenha responsabilidade pela crise boliviana. Mas pelo fato de que há um sentimento popular de que as empresas multinacionais, entre elas a Petrobrás, são exploradoras do seu patrimônio natural e as atuais culpadas pelo alto nível de pobreza da população. Um dos argumentos para a explosão social que se arrastou por mais de três semanas, a nacionalização dos hidrocarbonetos, não está entre as prioridades da agenda do novo presidente Eduardo Rodríguez. O que torna difícil para qualquer analista dizer que, desta vez, o país resolverá as suas diferenças.

De líderes sindicais a mineiros, de cooperativistas a camponeses, de operários a políticos de esquerda, todos pregam a nacionalização do petróleo e do gás como o mantra capaz de salvar os mais pobres. Para os professores, a questão da nacionalização dos recursos é mais importante que outros problemas, como os baixos salários que recebem. Os camponeses também acham a questão mais relevante que pedir melhores condições para plantio.

O raciocínio dos movimentos sociais que conseguiram colocar esse tema na ordem do dia, seja a favor ou contra, é o de que a Bolívia, inserida no neoliberalismo mundial, vê suas reservas naturais beneficiarem poucos bolivianos e muito as empresas de exploração dos minerais, a maioria estrangeiras. Para eles, só a estatização dos campos produtores é a solução. "Propusemos a Carlos Mesa (o presidente que renunciou) um decreto para reconhecer os direitos dos bolivianos, o que significa os campos petroleiros", cobrou Ricardo Díaz, do Movimento ao Socialismo (MAS).

Na sexta-feira, Abel Mamani, presidente das Juntas Vicinais de El Alto, deu um prazo de 72 horas para que o novo presidente inicie os processos que levarão à nacionalização do gás. Caso contrário, os protestos voltarão às ruas. Rodríguez não ignorou a ameaça e convidou as lideranças de El Alto para reunir-se com ele ontem. Desentendimentos acabaram impedindo a reunião.

"Em conseqüência, decidimos ratificar as mobilizações previstas para esta semana, manter a greve cívica com bloqueios e vigílias pelas nacionalização e industrialização dos hidrocarbonetos", disse Roque Romero, um dos dirigentes da Central Operária regional.

"Esse tema está sendo tratado irresponsavelmente", protestou o deputado Guido Agnez, do Movimento Esquerda Revolucionária. Segundo ele, se é verdade que o país tem de recuperar o direito sobre seus minerais, também precisa aprender a administrar a exploração dos mesmos.

Agnez é parlamentar de Santa Cruz, na região oriental do país. Sua posição, diametralmente oposta à dos líderes dos movimentos sindicais, aponta para outra questão importante, relacionada a ela: a Bolívia é um país dividido.

Seu colega de bancada, também de Santa Cruz, Hugo Carvajal Donus, é taxativo: "A Bolívia no Ocidente tem uma posição de nacionalizar os hidrocarbonetos. Mas onde o petróleo e o gás estão, no Oriente, as pessoas não concordam com essa radicalização." Na Bolívia, prevalece, genericamente, a seguinte correlação: Oriente-rico, Ocidente-pobre. (Ler mais sobre o gás boliviano e o Brasil na pág. B6 de Economia)