Título: 'Ter seqüela é prova de que venci', afirma jovem
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Vida&, p. A21

Nem todos os sobreviventes do câncer infantil carregarão seqüelas. Outros, porém, carregarão a doença, adormecida no corpo. Gabriela Sant'Ana, de 19 anos, tem 0,5% do tamanho original de um tumor que se alojou no cérebro aos 4 anos. Clinicamente está curada. Ao voltar da cirurgia, depois da delicada extração de um astrocitoma, os pais ouviram a primeira frase da filha: "Quem apagou a luz do quarto?" "Fico feliz com a seqüela, porque se tenho uma é a maior prova de que venci", diz Gabriela, hoje uma esforçada freqüentadora de cursos - quer sair da condição de desempregada. O último foi de auxiliar de radiologia. Aprendeu a manipular químicas, revelar radiografias e limpar máquinas. Fez também cursos de artesanato, culinária e computação. Namora Leonardo, de 20 anos, que tem visão subnormal por causa de um glaucoma. Sonha em ter um emprego, fazer uma faculdade, ter filhos (dois pelo menos) e ensiná-los a amar a vida. "O câncer deixou de ser 'aquela doença'. É por isso que não gosto quando sentem pena de nós."

Rosilene de Souza Brito, de 22 anos, é outra sobrevivente do câncer. Em fevereiro de 1994, diagnosticaram um osteossarcoma, poucos dias depois que sofreu uma forte queda numa brincadeira. Os primeiros médicos lhe receitaram um analgésico. Seria apenas uma luxação. No Hospital São Paulo, a doença foi descoberta. Ela só pensou numa coisa: a queda de cabelos por causa da quimioterapia.

Um mês depois, a junta médica anunciou: "Seu tumor não evoluiu, mas não regrediu. Vamos fazer uma amputação radical." A mãe se desesperou. Não queria acreditar que aquela era a única saída. Rosilene decidiu. O braço era dela, afinal. Um dia antes da cirurgia, quando a adolescente ainda imaginava que os médicos podiam estar errados, pintou as unhas de rosa. "Quando me deram um espelho, não consegui me ver naquela imagem." Ela foi encaminhada ao Graac, onde aprendeu a recuperar a auto-estima. E descobriu que mesmo sem o braço podia fazer tudo, desde faxina até ser ótima usuária de computador.

Há um ano, Rosilene vive com o marido, cuja irmã morreu de câncer aos 12 anos. Estuda Marketing com bolsa do Graac, mas gostaria de ser pedagoga. Desde os 13, trabalha. Depois que perdeu o braço enfrentou muitos preconceitos, alguns tão horrendos como o de uma recrutadora que disse: "Não pedi pessoas faltando peças."

Ela sabe que hoje há muitos tratamentos mais avançados e os pacientes não têm mais de amputar braços ou pernas. "Casos como o meu permitiram que os médicos evoluíssem." Seu mais recente e desafiador sonho: dirigir um carro. Vai chegar lá.