Título: Jovens preferem ter fé a ter religião
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2005, Vida&, p. A24

A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que por seus estatutos "orienta-se, fundamentalmente, pelos princípios da doutrina e moral cristãs", descobriu que seus 17 mil alunos dão mais valor à religiosidade do que à religião. "Ter fé é mais importante do que ter crenças e religiões", respondeu a maioria dos estudantes que participaram de uma pesquisa feita no Departamento de Teologia e Ciências da Religião para saber o que os jovens universitários pensam de Deus e da vida. "O resultado dessa pesquisa, concluída ano passado em seqüência a outra realizada em 2000, mostrou que, se a religião perdeu a importância que tinha, continua presente na religiosidade, que pode levar à fé e ao contato com Deus, mesmo quando uma pessoa não se considera religiosa", disse um dos coordenadores do levantamento, o professor Jorge Cláudio Ribeiro. "Religiosidade é a capacidade de elaborar sentidos e significados para a existência em sua totalidade", acrescenta. Os estudantes podem não ter uma crença explícita, mas admitem sua fé com frases do tipo "vejo Deus na natureza" e "percebo Deus como um ser superior".

Dos 520 alunos que responderam à última pesquisa, 42,5% se identificaram como católicos, 6,9% como evangélicos, 6,5% como espíritas e 3,9% como judeus, enquanto 19,8% disseram "acredito em Deus, mas não tenho religião". Só 12,2% afirmaram que são ateus ou agnósticos. Somando-se todas as crenças, o balanço mostra que 68% dos entrevistados têm alguma religião, embora muitos deles não a pratiquem. Só 19,9% freqüentam algum culto ao menos uma vez por semana; 33% fazem isso só em ocasiões especiais e 30,5% nunca participam dos rituais de sua fé.

Esses resultados apontam, segundo Ribeiro, para "uma crise de transmissão da fé, na medida em que os pais parecem ser mais religiosos que os filhos, mas não conseguem passar a eles o conteúdo tradicional da fé". Com relação aos católicos, por exemplo, a porcentagem é de 57,7% para o pai, de 60,6% para a mãe e de 42,5% para o filho. No item "acredito em Deus, mas não tenho religião", cresceu o número dos jovens nessa situação (19,8%), em comparação com seus pais (12,3%) e suas mães (6,7%).

"O fato de os jovens serem menos religiosos atualmente se deve não apenas à dificuldade da transmissão da fé pela família, mas também à vulnerabilidade das novas gerações à influência da cultura moderna, que nega o valor da religião e elimina Deus de seu horizonte", interpreta o padre Vando Valentini, coordenador da Pastoral Universitária e do Núcleo Fé e Cultura, da PUC. "Os calouros que chegam a essa situação saem piores, porque a universidade, mesmo sendo católica, não os ajuda a avançar em sua experiência religiosa", acredita.

VISÃO ESPERANÇOSA

Responsável também pela Paróquia Universitária, padre Vando oferece assistência espiritual aos estudantes, professores e funcionários, além de incentivar movimentos como Comunhão e Libertação, Carismáticos e Focolares, que atuam no campus. "Mostramos aos jovens que a Igreja é o lugar do encontro pessoal com Cristo, propondo a eles um ideal que pode ser vivido hoje, apesar de todas as dificuldades e contradições", disse o coordenador do Núcleo Fé e Cultura. A Igreja, segundo ele, não se reduz à pregação da moral (sexual e social), "porque Cristo não veio ao mundo para mudar o código de comportamento, mas para que Deus ficasse mais perto da experiência do homem".

É uma resposta às críticas que os estudantes mais fazem. De acordo com a pesquisa, eles não perdoam o moralismo das igrejas na questão sexual, especialmente com relação a camisinha, sexo antes do casamento, aborto e homossexualidade - posições que, conforme salientaram os entrevistados, significam "falta de fé" e "imposição de limites e de regras fora da realidade". Outras críticas se referem ao dogmatismo das religiões ("monopolizam Deus e a salvação"), à competição ("fins lucrativos" e "desavença entre as religiões") e alienação ("fanatismo", "exploração da fé das pessoas com objetivo político, financeiro ou pessoal").

Na análise das religiões, os alunos citaram a fé, a esperança, o sentido dado à vida, a paz interior, a solidariedade aos pobres e a crença em Deus como pontos positivos. Nesse item, aparecem ainda a promoção da paz mundial, a espiritualidade, a disciplina, o combate ao mal e aos vícios, o conforto e, surpreendentemente, a habilidade em manipular pessoas. "Os jovens demonstram senso crítico mais apurado com relação às religiões e têm uma visão esperançosa da vida", afirma Ribeiro.

São também sociáveis. Entre os valores mais importantes, os alunos citaram, pela ordem, a família, os amigos, a universidade, o trabalho, a religião e a política. E, com relação às suas preferências, disseram que gostam de viajar, namorar, ouvir música, ir ao cinema, praticar esportes, ir a baladas, ver TV e estudar. "Tudo envolvendo sociabilidade, porque são coisas que não se costuma fazer sozinho", interpreta Ribeiro.