Título: Outra 'operação abafa'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/06/2005, Notas & Informações, p. A3

A segunda entrevista do deputado Roberto Jefferson, em que ele tomou a iniciativa de dizer que não tem prova, foto ou gravação da acusação de que o PT pagava mesada às bancadas do PL e do PP na Câmara, deveria influir na decisão do partido de ceder a um nome escolhido pela oposição à presidência ou à relatoria da CPI dos Correios - que certamente tentará apurar também a denúncia do "mensalão" e poderá alcançar o ex-assessor parlamentar Waldomiro Diniz. O fato de os petistas começarem a semana como terminaram a anterior, insistindo em ficar com o primeiro daqueles cargos e entregando o segundo a um parlamentar da base aliada, sugere, todavia, que, tendo mais a temer do que a compra de deputados, na escala alegada pelo presidente do PTB, eles estão propensos a reviver por outros meios a fracassada "operação abafa" contra a criação da CPI. Votos para impedir o acesso da oposição ao comando do inquérito não faltam à base governista. O bloco de apoio ao presidente Lula no Congresso tem 19 das 32 cadeiras da comissão mista - o que, por sinal, torna ainda mais suspeito o obstinado empenho dos articuladores políticos do Planalto em encampar a direção dos trabalhos. Se não for por medo de o governo ser apanhado no contrapé por algo que Lula talvez seja o único a desconhecer, há de ser pelo proverbial uso do cachimbo: o desejo de tudo controlar, impregnado no DNA ideológico se não do PT inteiro, decerto no de algumas de suas figuras mais proeminentes no Planalto - o mesmo que provocou a maior migração de políticos para o regaço do situacionismo já vista na democracia brasileira -, parece impelir o partido a tentar se assenhorear dos rumos da CPI.

Os petistas alegam que, no passado, nunca participaram da cúpula de um inquérito parlamentar. É verdade, mas é verdade também que, antes da atual legislatura, o PT jamais teve, nem na Câmara, muito menos no Senado, bancadas suficientemente numerosas para reivindicar o que agora nega à oposição. Alegam também que não se opõem a que ela tenha o reclamado lugar ao sol - desde que o seu representante não seja o senador baiano César Borges, do PFL, apresentado de comum acordo com o PSDB e o PDT. Os líderes do PT argumentam, com razão, que a ocupação de um posto-chave na CPI por Borges equivaleria a entregá-lo ao senador Antonio Carlos Magalhães, que apoiou o candidato Lula, mas atualmente é um dos seus mais encarniçados opositores, dada a comprovada fidelidade do primeiro ao segundo.

Mas é óbvio que a oposição não pode outorgar ao governo poder de veto sobre as suas indicações para essa ou qualquer outra comissão congressual. Tampouco pode aceitar a versão petista do velho ditado "case com quem quiser, desde que seja com João". Ainda mais que este, na vida real, seria o maranhense Edison Lobão. Embora também do PFL, ele está para o supergovernista José Sarney como Borges para o neo-oposicionista ACM. (Sem falar que apadrinhados seus ocupavam até a semana passada duas diretorias no Instituto de Resseguros do Brasil.) E o senador Tião Viana, do PT do Acre, ainda se permite dizer que "queremos alguém que aja com imparcialidade".

A menos que tome juízo antes da reunião de hoje da CPI e deixe de querer manipular a sua condução, indicando para presidente o seu líder no Senado, Delcídio Amaral, e, para relator, um deputado do PMDB, provavelmente o paranaense Osmar Serraglio, o PT conquistará uma vitória de Pirro. Antes de mais nada, porque a oposição não assistirá passivamente à manobra de alijá-la. Se o novo abafamento se concretizar, a oposição retaliará, obstruindo votações importantes para o governo. E o senador Antonio Carlos, na presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Casa, fatalmente tratará de prejudicar o Planalto em tudo o que estiver ao seu alcance.

Além disso, a opinião pública se convencerá de que, apesar dos protestos de inocência do PT e dos homens do presidente, eles têm culpa em cartório. O Planalto quer ainda que a Polícia Federal conclua o quanto antes o inquérito sobre o esquema de cobrança de propina nas diretorias do serviço postal, para esvaziar a CPI. Mas essas três letras de há muito adquiriram uma força que seria uma temeridade subestimar. E, se parecer que a dos Correios terminará em pizza, a sociedade não hesitará em debitar o resultado na conta do governo, que já ameaça entrar no vermelho.