Título: A crise e a autonomia do BC
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/06/2005, Economia, p. B2

Desemboque onde desembocar, a crise política deflagrada pela entrevista do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, é mais uma comprovação de que político é capaz de fazer pacto até com satanás para ter dinheiro farto à sua disposição. Deixar o Banco Central sob influência de políticos é caminho certo para a catástrofe. E é este - só este - o argumento de que qualquer banco central precisa de autonomia no desempenho de sua principal tarefa, que é a defesa da moeda nacional, um dos maiores patrimônios com que deve contar a nação. Convém registrar que a autonomia por si só não garante imunidade contra ataques à moeda. É só condição necessária, mas insuficiente, para imunizá-la contra interferências estranhas.

Sabemos o que está acontecendo com as finanças das empresas públicas restantes do processo de privatização no Brasil, como os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil. Imaginamos o que estaria ocorrendo se a siderurgia, a telefonia, a mineração, a petroquímica e as ferrovias ainda estivessem sob poder de políticos, ávidos por verbas que desembocassem no financiamento de campanha.

Um banco central tem uma função essencial e duas subalternas. A essencial é administrar o instituto de emissão de moeda e controlar seu fluxo na economia, por meio da política monetária (política de juros), para evitar inflação ou perda de valor da moeda. As outras são garantir supervisão bancária, o que implica dar assistência em casos de crise de liquidez (repentina falta de caixa para atender os credores); e fiscalizar instituições financeiras para antecipar-se a eventuais crises sistêmicas (quebras sucessivas), a que uma rede bancária está sujeita.

Essas tarefas não podem ser desempenhadas eficientemente se as cabeças dos diretores de um banco central estão permanentemente sujeitas a rolarem por simples decisão política porque, nessas condições, o critério de administração da moeda também passa a ser político.

Autonomia do banco central não significa que seus dirigentes possam fazer o que entendem. Significa apenas que têm um mandato da sociedade para cumprir, que não podem ser coagidos no cumprimento desse mandato e que têm de prestar contas do que fazem. No Brasil, o organismo a quem cada dirigente do Banco Central tem de dar satisfações é o Senado.

Aqui, a diretoria do Banco Central continua demissível ad nutum, isto é, pode ser mandada para o olho da rua por simples canetada de seus superiores hierárquicos com os quais eventualmente se tenha desentendido. Há quem argumente que na prática isso não acontece porque o Banco Central conquistou grau de autonomia tal que apenas em casos extremos sofre interferência do presidente da República ou do ministro da Fazenda.

O problema é que, se não for institucionalizada, a qualquer momento essa conquista pode ser levada pela enxurrada e, nessas condições, um aventureiro pode apoderar-se da guitarra emissora. Este receio tem sido apontado como um dos fatores responsáveis pela persistência de juros tão elevados no Brasil.

Foi só o Partido Trabalhista inglês no governo ter institucionalizado a independência do Banco da Inglaterra, em 1997, para que crescesse sua credibilidade enquanto instituição guardiã da libra esterlina.

Desde 1988 espera-se a regulamentação do artigo 192 da Constituição, que trata do Sistema Financeiro Nacional e, como parte deste, do Banco Central. O simples adiamento das discussões do projeto de lei complementar que cuidariam da regulamentação é mau sinal. É sinal de que os políticos querem permanecer à vontade para controlarem o Banco Central.