Título: Mercado já contava com a decisão
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/06/2005, Economia, p. B1

Após 9 altas consecutivas, enfim o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), resolveu pôr fim ao ciclo de aperto monetário e manteve a taxa Selic em 19,75% ao ano. A decisão, unânime e sem viés, foi ao encontro das expectativas de economistas e analistas do mercado financeiro, que apostavam na manutenção do juro básico a partir deste mês. Desde setembro, o BC elevou a Selic em 3,75 pontos porcentuais e pôs o Brasil na liderança dos maiores juros reais do mundo, com uma taxa de 13,9% ao ano. Em breve comunicado após a reunião, que durou pouco mais de três horas, os integrantes do Copom disseram que "avaliando as perspectivas para a trajetória da inflação, a autoridade monetária decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 19,75% ao ano, sem viés". A decisão foi aplaudida pelo mercado financeiro, mas não convenceu o setor produtivo.

Apesar da turbulência política, que tem desgastado a imagem do governo com as denúncias de propina feita pelo deputado Roberto Jefferson (PTB), os economistas acreditam que a manutenção da Selic obedeceu a critérios técnicos, como ocorreu nas últimas reuniões. "A manutenção era amplamente antecipada pela maioria do mercado. Havia razões técnicas para que o BC tomasse essa decisão, que ocorreu dentro da maior ortodoxia", avaliou o economista do ABN Amro Mário Mesquita.

Para os analistas, a inflação, principal preocupação do BC, tem perdido fôlego nos últimos meses. Há deflação em alguns índices, como IGP-DI e IGP-M, e forte queda no IPCA, que serve de base para as metas de inflação. Além disso, a atividade econômica já dá sinais de desaceleração. No primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) teve um tímido aumento de 0,3% e puxou para baixo as previsões de crescimento de 3,27% para 3,12%.

Na avaliação do economista Marcelo Allain, professor do MBA da Fipe/USP, o BC conseguiu atingir seu objetivo com o expressivo aumento feito na Selic desde setembro. Naquela época, afirma, o uso da capacidade instalada da indústria estava em patamar bastante elevado, o que trouxe o temor de pressão inflacionária.

"Mas hoje o cenário é diferente: o uso da capacidade diminuiu e temos seis meses de estagnação da produção industrial. A política monetária já está mais que apertada e calibrada para que a inflação fique dentro da meta estipulada pelo governo", completa Allain, que considerou a decisão do BC acertada e coerente. "O aperto teve seu efeito na economia."

Com a manutenção da Selic neste mês, os analistas já começam a projetar uma queda a partir de setembro. Mas a decisão vai continuar dependendo do comportamento dos índices inflacionários, diz Mário Mesquita, do ABN. Nos próximos meses, o BC continuará de olho nos índices de preços para atingir a meta deste ano.

Mas a partir de agosto ou setembro, já estará pensando na inflação de 2006, afirmam os analistas. Na avaliação de Marcelo Allain, isso poderá permitir a redução do juro a partir de setembro. Segundo ele, há números preocupantes na economia brasileira que precisam ser levados em consideração, como o investimento doméstico, que caiu pelo segundo trimestre seguido. "O desaquecimento está sendo um pouco mais forte que o esperado", afirma.

O economista Fernando Fenolio, da Rosenberg & Associados, também considerou a manutenção da Selic coerente com o discurso do BC porque o cenário é mesmo propício para a estabilidade da Selic. Isso porque, apesar dos riscos, o cenário externo está longe de beirar a uma crise e a inflação no atacado tem mostrado quedas que, em algum momento, chegarão aos índices de preços ao consumidor.

Uma das poucas no mercado, a economista-chefe do BES Investimento, Sandra Utsumi, esperava que a autoridade monetária elevasse a taxa básica de juros em 0,25 ponto porcentual, para 20% ao ano, mas afirmava que o BC tinha motivos para optar pela manutenção. "Temos de esperar a ata para vermos se virá alguma pista sobre o que será feito daqui para a frente", diz Sandra.