Título: O Copom e a MP do Bem
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/06/2005, Economia, p. B2

A suspensão da escalada dos juros pelo Banco Central e a MP do Bem não têm em comum só a data em que foram anunciadas. Têm conexão entre si. Ficou claro que não há mais razão para barrar o aumento do consumo, como também ficou claro que é preciso estimular o investimento para que os juros não tenham de subir quanto subiram nos últimos nove meses. Esta coluna vai hoje comentar a decisão do Copom e fazer uma avaliação ainda geral da MP do Bem. A análise mais pormenorizada fica para amanhã.

Desta vez, foram mais brandos os protestos-padrão que desde setembro se repetiram a cada aperto na sua política monetária. Ainda assim, o Banco Central é acusado de ver "chifre em cabeça de cavalo" (inflação onde não há) ou de "errar na mão" quando calibra os juros.

Tenha ou não errado, o que dá para dizer é que o Banco Central vem acertando mais do que seus críticos. Quando a maioria dos analistas afirmava que a inflação estava dominada, o Banco Central identificou graves pressões nos preços e, como dele é exigido, tratou de usar a quimioterapia monetária contra elas. Se exagerou na dose, isso não tem tanta importância porque, nessa matéria, juros mais altos tendem a fazer efeito mais rapidamente e, nessas condições, a terapia pode ser suspensa também mais rapidamente.

A queixa generalizada de que a política de metas não funciona no Brasil ficou desmentida pelas Contas Nacionais do IBGE que apontaram uma notória retração do consumo das famílias no primeiro trimestre deste ano. Como o objetivo do Banco Central foi refrear a demanda, não dá para seguir dizendo que falta eficácia a esse instrumento. Em abril, surgiram os primeiros sinais de que o ímpeto dos preços estava sendo contido.

A conclusão é de que, apesar das limitações, a política monetária (política de juros) consegue, sim, conter avanço dos preços no Brasil, mesmo levando-se em conta que um segmento importante, o dos preços administrados (tarifas, impostos, reajustes definidos por lei ou por contrato) quase não reage aos juros. Ademais, até agora não surgiu ninguém com uma sugestão de política melhor que essa para debelar a inflação.

A questão macroeconômica subjacente é a de que a inflação assim identificada e combatida pelo Banco Central tem a ver com um consumo mais alto do que a capacidade do sistema produtivo em atendê-la. Já no final de 2004, estava perto do seu limite técnico, ao redor dos 83%. Sem aumento do investimento não seria possível garantir que, terminada a terapia dos juros, a inflação não volte. O diabo é que no último trimestre do ano passado o investimento já recuara 3,9%, em relação ao trimestre anterior, e no primeiro deste ano, caiu mais 3,0%.

A MP do Bem está sendo emitida para dar o empurrão no investimento que ficou para trás. Consiste na renúncia de arrecadação de impostos, de cerca de R$ 1,5 bilhão neste ano, na compra de máquinas para a produção de bens destinados à exportação, à inovação tecnológica, à construção civil e às atividades de micro e pequenas empresas.

Vai na direção certa. Mas ainda não está claro que seja suficiente para gerar o necessário salto no investimento. Se é para baixar os custos de exportação, falta explicar por que ficam de fora investimentos em infra-estrutura (rodovias, ferrovias, instalações portuárias, etc.) ou a produção de insumos usados na fabricação de bens exportáveis, como energia elétrica, matérias-primas, componentes, etc.

E, se a idéia é compensar a valorização do real que, segundo exportadores, tem causado estrago nos projetos de exportação, essa isenção tributária é claramente insatisfatória.