Título: 'Bolo' da Petrobrás agita turma do cinema
Autor: Patrícia Villalba
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2005, Caderno 2, p. D6

A discussão sobre quem é o culpado da queda da bilheteria dos filmes nacionais - de 21% em 2003 para a previsão de 10% neste ano - e sobre a política de distribuição de recursos públicos entre os produtores - que é chamada de pulverizadora ou excessivamente democrática - faz círculos em volta das mesmas questões. Parece até um flash-back do debate em torno da criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav), mas é motivada pela tensão que envolve a divulgação do resultado do edital da Petrobrás, que vai destinar R$ 19,6 milhões para o cinema nacional. A lista dos contemplados sai no dia 30. A despeito das críticas dos produtores do chamado "cinema industrial", o secretário do Audiovisual, Orlando Senna, adianta ao Estado que o edital da estatal que mais investe em cinema no País vai ser coerente com a política praticada pelo MinC até agora, com foco nos filmes de orçamento médio. "O resultado do edital está dentro da diretriz geral do audiovisual, de lidar com os três tipos de filmes - pequenos, médios e blockbusters -, centrando na importância econômica do filme médio", diz o secretário. Nesta entrevista, Senna ressalta a importância desse tipo de filme - com orçamento de mais ou menos R$ 2 milhões - e volta a pregar que num mercado de cinema que pretende se desenvolver deve haver espaço para todos.

Como o sr. recebe as críticas de que a pulverização dos recursos está levando à 'miserabilização do cinema nacional'?

No começo, falavam em democratização excessiva. Em países com indústria cinematográfica desenvolvida, não são os filmes grandes que mantêm a economia. Um aspecto importante é que todas as cinematografias importantes se baseiam no filme médio. Por isso, o foco do Ministério da Cultura é justamente fortalecer o filme médio. O cinema tem dupla natureza - a mercadológica e a artística. Essas duas naturezas são amalgamadas, complementares. E qualquer política pública tem de tratar dessas duas naturezas. Não pode se focar apenas em um aspecto da atividade econômica.

Por que só se fala em produção e não em distribuição?

Estamos elevando a discussão para os termos da distribuição desde o primeiro dia de governo. Existe um equívoco histórico de países em desenvolvimento, que fomentaram apenas a produção. E pela primeira vez um governo está se preocupando com a distribuição. Foram destinados R$ 4,8 milhões para a distribuição do cinema nacional por meio de editais. Em seguida, vem o desenvolvimento de vários programas para aumentar o parque exibidor, como a carteira de financiamento do BNDES, que põe à disposição dos empresários os recursos para a construção de mil salas no País.

A carteira de crédito do BNDES já recebeu interessados?

Sim, está tendo procura. Aliás, o que está faltando no esforço para se consolidar a economia cinematográfica brasileira são empresários dessa atividade. Não se constrói uma indústria só com recursos públicos. Os nossos produtores atuam apenas como intermediários entre os recursos públicos, a TV e as distribuidoras internacionais. Eles juntam essas partes, e isso é importante, mas não correm risco. Tem de haver ousadia empresarial. Falta a energia do risco.

Nesse sentido, não há um contra-senso em se falar em cinema industrial, já que ele continua dependendo de recursos públicos?

Sim. Por isso, a proposta do ministro Gil, do choque de capitalismo. Se vamos ser capitalistas, vamos ser capitalistas de verdade.

Até que ponto deve ir o protecionismo do mercado cinematográfico? O sr. acha que o modelo da cota de tela é o mais adequado para fazer o brasileiro assistir aos filmes nacionais?

A cota de tela continua sendo um mecanismo importante. Na verdade, ela é justa, já que é calculada sobre o comportamento do mercado no ano anterior. Acho que estamos vivendo uma fase interessante na relação do cinema com seu público. Quando os filmes nacionais foram lançados com o mesmo impacto dos americanos, fizeram bilheteria excelentes. E alcançam grandes audiências na TV também. Quando o brasileiro tem acesso aos filmes, ele gosta.