Título: Sob suspeita, Dirceu cai antes da reforma ministerial
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2005, Nacional, p. A4

O ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, saiu sozinho. Ele pediu demissão ontem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes da reforma ministerial na qual pretendia diluir o impacto de seu afastamento. Vai agora reassumir seu mandato na Câmara. Deputado licenciado e fiador das alianças eleitorais que conduziram Lula ao Palácio do Planalto, Dirceu era a cara do PT no governo e chegou a ser o mais poderoso dos ministros. Dirceu deixou o cargo ao final das 48 horas mais nervosas da administração petista. Dois dias antes, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) pedira sua saída para não transformar o presidente em réu. Dirceu, segundo o petebista, estava envolvido no esquema de pagamento de mesada a deputados, acusação que ele nega.

"Não me envergonho de nada que fiz. Tenho as mãos limpas, o coração sem amargura. Saio de cabeça erguida do ministério. Continuo no governo como deputado da base de sustentação e continuo no governo porque sou PT", afirmou Dirceu, no discurso de despedida que fez no Planalto, citando a mãe, a mulher e os filhos.

Emocionado, e protegido por um cordão formado por 18 ministros, além de deputados e senadores do PT, o chefe da Casa Civil afirmou que sempre sonhou em governar o Brasil com Lula. "O governo do presidente Lula é a minha paixão, é minha vida e eu, ao sair, deixo aqui parte da minha alma, do meu coração. Mas não deixo a minha alma, ela vai comigo para a luta. Tenho humildade de voltar para meu partido como militante e de voltar para a Câmara como deputado. Eu sei lutar na planície e no planalto."

Dirceu comunicou sua demissão em carta endereçada a Lula, com 19 linhas, depois de almoçar com ele e ministros do PT. O presidente respondeu com outra carta, "louvando o desprendimento pessoal" do companheiro. "Só pessoas de sua grandeza são capazes desses gestos", escreveu Lula.

Não foi anunciado ainda quem vai substituir Dirceu. O governador do Acre, Jorge Viana, que também é do PT, é cotado para o cargo, mas Dirceu não gostaria de vê-lo em sua cadeira. Viana é próximo do PSDB. Apesar de ter seu nome citado há tempos, o prefeito petista de Aracaju, Marcelo Déda, negou que vá ocupar a vaga. A Coordenação Política, hoje comandada por Aldo Rebelo, do PC do B, deve ser extinta e reincorporada à Casa Civil, como era até o início de 2004.

IRONIA

Configura uma ironia política, aliás, o fato de que aliados de Dirceu trabalharam durante meses pela demissão de Aldo, mas foi o chefe da Casa Civil quem caiu primeiro. Na cerimônia de despedida, Aldo ficou com lágrimas nos olhos enquanto Dirceu falava. Os dois tinham se reaproximado desde que a onda de denúncias de corrupção deixou o governo acuado. Por enquanto, o secretário-executivo Swedenberger Barbosa, chefiará interinamente a Casa Civil.

Presidente licenciado do PT, partido que comandou de 1995 a 2001, Dirceu começou a perder poder em fevereiro de 2004, depois do escândalo Waldomiro Diniz, o assessor da Casa Civil flagrado pedindo propina a um bicheiro. Na noite de ontem, com voz embargada, ele afirmou que mobilizará o PT "para dar o combate àqueles que querem interromper o processo político democrático, e querem desestabilizar o governo". Disse que o governo tem uma agenda de mudanças políticas e sociais para ser votada no Congresso e afirmou ser preciso sustentar a política econômica.

"Nosso governo tem um programa econômico que está, neste momento, tendo sucesso, e nós precisamos apoiá-lo e sustentá-lo", argumentou Dirceu. O curioso é que ele vinha sendo o principal opositor interno do ministro da Fazenda, Antonio Palocci - que agora fica sem contraponto à altura.

Fora do governo, Dirceu fará hoje dois discursos para se defender das acusações de Jefferson e fazer a defesa do PT e do governo. O primeiro será em seu território - a sede do PT em São Paulo -, onde participará do encontro do campo majoritário, que reúne as alas moderadas do partido. Depois, ele falará no ato em defesa do PT, marcado para as 19 horas. A amigos, repetiu uma frase dita por Lula nos últimos dias: "Não vai sobrar pedra sobre pedra."