Título: Brasil pode ter prótese neural para deficientes
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/06/2005, Vida&, p. A26

Um acordo firmado ontem em São Paulo entre o Hospital Sírio-Libanês e o cientista brasileiro Miguel Nicolelis pode viabilizar a primeira cirurgia no mundo para o implante de uma prótese neural em pessoas com paralisia ou membros amputados em um prazo médio de três anos. A intenção é fazer que braços e outros instrumentos robóticos sejam movidos apenas pelo pensamento com o objetivo de melhorar a qualidade de vida desses pacientes.

O prazo é uma previsão. O próprio Nicolelis acredita que a tecnologia esteja disponível antes, porém não descarta um acréscimo de um ou dois anos.

O contrato garante que a cirurgia seja feita no Sírio, de preferência em um brasileiro. Também prevê o treinamento de cirurgiões no Brasil e a transferência de tecnologia através de uma rede internacional de neurociência, que conta com centros nos Estados Unidos, Suíça, Israel, Japão e África do Sul. "Entender o cérebro é entender nós mesmos, nosso passado e o futuro, nossas emoções, quem somos", disse o cientista.

A técnica foi desenvolvida por ele e sua equipe na Universidade Duke, Carolina do Norte (EUA), e é uma das mais promissoras e avançadas no campo.

Sinais elétricos emitidos pelos neurônios quando uma ação é imaginada são captados e transformados, por meio de modelos matemáticos, em similares eletrônicos, usados por um braço mecânico para realizar a operação pensada mesmo a distância. Ela já foi aplicada com sucesso em macacos, que aprenderam a jogar videogame sem usar suas mãos, ativando um braço robótico quando pensavam em como agir.

O protótipo humano será similar, composto por microfios implantados no córtex cerebral, ligados por sua vez a microchips. Os sinais serão transmitidos por ondas de rádio em tempo real. Quando o paciente pensar em pegar um copo, por exemplo, o braço vai obedecê-lo naturalmente porque ele terá sido incorporado pelo cérebro como um membro extra.

ACORDO SOCIOCIENTÍFICO

O neurocientista buscava parceiros para trazer a tecnologia para o Brasil e, de quebra, obter recursos para um projeto social que monta no Nordeste.

A parceria conta com uma doação inicial de US$ 1 milhão feita pelo hospital, em três anos, para o Instituto de Neurociências de Natal, que ainda não existe fora do papel, mas tem grandes pretensões: construir um centro de excelência em pesquisa, educação e inclusão social dos moradores pobres próximos a Macaíba (RN).

Segundo o superintendente do hospital, Mauricio Ceschin, nada impede que o valor da doação aumente. "Esta é uma oportunidade de trazer de volta cientistas brasileiros que atuam fora do País", disse.

Antes de fechar com o Sírio-Libanês, Nicolelis chegou a anunciar que o acordo seria firmado com outro hospital de São Paulo, o Albert Einstein. As conversas foram interrompidas porque, segundo as duas partes, o interesse do Einstein era voltado apenas para a pesquisa, não envolvendo doações para o projeto social em Natal.