Título: Limites à injustiça
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Notas & informações, p. A3

Ao incluir a isenção do Imposto de Renda (IR)na alienação de imóveis residenciais entre as medidas de desoneração tributária destinadas a estimular os investimentos, o governo reconheceu, implicitamente, que estavam certos os que consideravam injusta, e até ilegal, essa tributação. Mas o fez em caráter parcial, pois o benefício só valerá sob certas condições.

A isenção será autorizada na alienação de imóveis residenciais somente nos casos em que o valor for utilizado na compra de outro imóvel residencial no período de até 180 dias. Além disso, o contribuinte só poderá gozar desse benefício uma vez a cada cinco anos. Nos demais casos, continua a incidir o Imposto de Renda de 15% sobre a diferença entre o valor da venda e o valor histórico da compra, que a Receita considera ¿ganho de capital¿, mas agora com desconto de 0,35% da base de cálculo para cada mês entre a compra e a venda do imóvel.

Não era intenção do governo, quando iniciou a elaboração da MP, beneficiar diretamente as pessoas físicas. Ao longo de discussões com representantes da iniciativa privada, porém, convenceu-se de que alguma medida adicional destinada a estimular a construção civil era necessária. Sem dúvida, para o contribuinte é melhor algum benefício, ainda que limitado, como esse que a ¿MP do Bem¿ lhe oferece, do que benefício nenhum .

A tributação sobre alienação de imóvel vem sendo fortemente criticada por especialistas e por muitos contribuintes desde sua instituição, há mais de dez anos. Em julho de 1994, quando o Plano Real entrou em vigor, o governo proibiu a atualização dos valores dos imóveis na declaração de bens que compõe a declaração anual de rendimentos que os contribuintes apresentam à Receita Federal. O argumento oficial era o de que a estabilização da moeda acabara com a inflação e a eventual persistência de mecanismos de correção monetária poderia colocar em risco a estabilidade.

Acontece, porém, que a inflação não acabou. Representantes da construção civil lembram que, entre 1994 e o fim de 2004, o Índice Nacional de Custos da Construção subiu quase 200%. Em tese, essa deveria ser a variação nominal do preço do imóvel. Mas, desde o início do Plano Real, este não pode ser corrigido.

Assim, se um imóvel foi adquirido, em 1994, pelo preço de R$ 100 mil, até mesmo na declaração de bens relativa a 2004 deveria ser lançado por esse valor. Se o proprietário o tivesse vendido no ano passado pelo preço de R$ 150 mil, bem inferior à correção de 200%, teria obtido, na visão do fisco, um ¿ganho de capital¿ de R$ 50 mil, sobre o qual teria de recolher R$ 7.500 a título de Imposto de Renda (alíquota de 15%). Ora, na realidade o vendedor não obteve ganho nenhum; ao contrário, vistas bem as coisas, teve perda, pois vendeu o imóvel por um preço real inferior ao que pagou.

Especialistas argumentam, com razão, que a correção monetária representa nada mais do que a desvalorização da moeda num determinado período e a correção do preço de um bem apenas repõe o valor da época de sua aquisição. Não há, pois, ¿ganho de capital¿, como argumenta o governo, nem o proprietário terá obtido lucro ao vender um bem pelo mesmo valor real pelo qual o adquiriu.

A legislação em vigor já previa a isenção do IR para bens de pequeno valor e também para a venda de imóvel único de pessoa física. A ¿MP do Bem¿ amplia o âmbito da isenção, com o que torna menos prejudicial essa tributação. Mas o ônus tributário adotado em 1994 é mantido para grande número de casos. É uma tributação injusta, porque incide sobre uma renda que, na realidade, não existe. A Constituição proíbe tributação com caráter confiscatório, e o que ocorre neste caso, na interpretação de muitos especialistas, é simplesmente um confisco.

É importante lembrar que, vetada pela Receita Federal para o valor dos bens dos contribuintes, a correção monetária é por ela praticada de maneira implacável na cobrança de tributos em atraso ou parcelados. Diante de seus interesses e os dos contribuintes, a Receita usa dois pesos e duas medidas. E o faz de modo que muitos especialistas consideram inconstitucional.