Título: Pajelança em Assunção
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Notas & informações, p. A3

Presidentes dos quatro países do Mercosul tentarão mais uma vez provar que o bloco está vivo e em condições de fortalecer-se com mais investimentos e maior integração comercial. Se tiverem sucesso, poderão contar com o testemunho de sete convidados ¿ cinco presidentes e dois chanceleres ¿ para espalhar a boa nova por onde passarem.

Na melhor hipótese, a reunião de cúpula em Assunção resultará em três novidades: 1) formação de um fundo de investimentos para projetos principalmente no Paraguai e no Uruguai; 2) aprovação de uma lista de produtos com livre trânsito entre os países do Mercosul; 3) renúncia à criação de salvaguardas comerciais entre os sócios.

A idéia das salvaguardas, lançada no ano passado pelo governo argentino, tem sido um tema central das conversações entre os governos de Buenos Aires e de Brasília. Foi esse o tema discutido na última reunião entre o ministro da Fazenda do Brasil, Antonio Palocci, e seu colega argentino, Roberto Lavagna. Não houve acordo. Embora venha cedendo regularmente ao protecionismo argentino, o governo brasileiro continua a rejeitar a criação de salvaguardas especiais entre os países do bloco.

O governo argentino poderá ter alguma dificuldade para introduzir o assunto na reunião que tomará o fim de semana e a segunda-feira, porque um estudo de seu Ministério de Relações Exteriores desmente a tese de uma invasão de produtos brasileiros. Segundo o relatório, apresentado pelo Centro de Estudos Internacionais do ministério, o aumento das exportações brasileiras desloca vendas de outros países, não prejudica a recuperação da economia argentina e não representa ameaça à indústria local.

Mas é incerto que o governo argentino deixe a idéia morrer. Além disso, o governo paraguaio poderá ajudar a mantê-la viva, porque também passou a defender a proteção comercial entre os países do Mercosul.

Do lado comercial, portanto, o quadro é o seguinte: 1) pelo menos dois países defendem a instituição de mecanismos protecionistas para uso contra os parceiros do bloco ¿ especialmente, de fato, contra o Brasil; 2) é incerta a aprovação de uma nova lista de produtos com livre circulação. Até do lado brasileiro há resistência ao comércio aberto: produtores agrícolas do Sul reclamam da competição de arrozeiros do Uruguai; 3) a Tarifa Externa Comum, aplicada a produtos de fora, continua cheia de furos; 4) o governo argentino insiste em retardar o livre comércio de veículos dentro da zona.

Os governos do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai se esforçam, portanto, para manter nominalmente a existência de uma união aduaneira entre países que mal conseguem operar como área de livre comércio, um estágio inferior de integração. Sua grande realização, nos últimos anos, foi um impasse de alto custo.

Não conseguiram formar uma real união aduaneira e, ao mesmo tempo, ficaram impedidos de assumir isoladamente acordos de livre comércio com parceiros de fora, porque isso é vedado pelo estatuto legal do bloco. Além disso, as diferenças de poder de competição dos quatro sócios dificultam acordos conjuntos com outros países ou blocos. O atraso nas negociações com a União Européia é explicável, em grande parte, por esse fator.

O problema das ¿assimetrias¿, que tem ocupado boa parte das conversações entre os quatro governos, é um estímulo para a criação de um fundo regional de investimentos, também conhecido pelo nome oficial de Fundo Estrutural de Convergência. Se for aprovado, 70% de seus recursos deverão ser fornecidos pelo Brasil, 27% pela Argentina, 2% pelo Uruguai e 1% pelo Paraguai.

Para o Brasil, a aplicação desse dinheiro só terá sentido se houver uma efetiva disposição, nos quatro países, de avançar na integração econômica. Até este momento, não há sinal de que a disposição seja maior do que era há um ano. O novo presidente uruguaio, Tabaré Vazquez, tem falado mais enfaticamente que seu antecessor a favor do projeto do Mercosul. Falta conferir quanto valerá na prática a sua retórica pró-integração regional. Neste momento, a construção de um sistema de acesso ao gás peruano talvez seja o ponto de convergência mais importante para os países do Mercosul. Isso não basta para sustentar um bloco.