Título: No reino da fantasia
Autor: Vera Rosa, Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Nacional, p. A6

Dirceu fala forte, mas não será recebido no Congresso com temor ou reverência O deputado José Dirceu não parece ainda ter captado todas as nuances do ambiente. Fala forte, promete combate, faz pose de guerreiro como se estivesse em plena posse de condições políticas para tal.

O discurso de despedida da Casa Civil, na quinta-feira à noite, exibiu um Dirceu convicto de que será triunfalmente recebido no Congresso onde, pelo jeito acredita, despertará reverência e temor na sua volta.

Não encontrará nada disso. Num primeiro momento, despertará atenção. O pronunciamento da tribuna da Câmara prometido para terça-feira provocará expectativa mas, passada a novidade, José Dirceu voltará a compor o colegiado como antes da eleição de Lula já compunha, sem especial destaque.

Seu lugar ao sol sempre se originou da atividade partidária, nunca da mediana vida parlamentar.

Mas Dirceu deu mostras de que pretende mais. Disse na despedida que não só responderá às denúncias em curso como também falará sobre "as profundas transformações econômicas, sociais e políticas que estamos fazendo sob a liderança do presidente Lula". Ou seja, pretende o papel de porta-voz.

Se saiu da Casa Civil debaixo do aviso de Roberto Jefferson - "Se você não sair daí rápido vai fazer réu um homem inocente" -, para não contaminar Lula com as acusações de que é alvo, como poderá falar em nome do governo, ou, para usar suas palavras, "governar o Brasil como deputado"?

Configura-se, sem dúvida, uma fantasia, pois, no momento, Dirceu está na berlinda, não no púlpito do advogado de defesa.

É apontado por um réu confesso de crime eleitoral como cúmplice deste, e mentor intelectual de outros delitos, entre os quais a montagem de um esquema de compra e venda de parlamentares por meio de dinheiro, cargos e favores.

Convenhamos, não é a moldura ideal para o general da banda tocar.

Dirceu despertou temor e reverência quando tinha poder delegado pelo presidente da República e compartilhava com ele da aprovação da sociedade. Agora a realidade é outra e na Câmara estão todos cansados de saber disso.

O vento venta hoje para o lado oposto. José Dirceu já não abre as portas da máquina e está na corrente contrária à da opinião pública, fator primordial na avaliação de suas excelências para a escolha de suas estrelas-guia.

Ele volta à Câmara no papel de vilão; o de herói perdeu lá atrás, no escândalo Waldomiro Diniz, quando não quis dar ao PSDB o gosto de vê-lo pedir licença do cargo.

Terminou dando a Roberto Jefferson o enorme prazer de, para todos os efeitos, demiti-lo. Com um requinte de crueldade: ao se retirar da presidência do PTB para "não criar constrangimentos ao partido", o petebista mostrou como é que se faz o ensaio geral de uma volta por cima, dando passos para trás a fim de, mais adiante, dá-los de novo para frente.

Patrimônio ético

O governo quer, mas o PMDB - inclusive a ala governista - está achando mais conveniente não ceder de pronto aos apelos para reforçar a equipe ministerial.

De posse de aguçado, digamos, senso de oportunidade, os pemedebistas estão vendo sua grande chance de tomar conta do governo pura e simplesmente, como fez o PFL com o governo Collor quando o então presidente buscou sair da crise formando um "ministério ético" com o pefelista Jorge Bornhausen à frente.

Pois o PMDB agora diz que só lhe interessa algo nesses moldes. Mas em outras condições. Cansado de levar a fama de fisiológico, o partido não quer nada que possa ser interpretado como negociata de segunda.

Quer poder, influência e tratamento fidalgo. Afinal de contas, argumentam os pemedebistas, o partido é dos poucos a não ser diretamente envolvido nas denúncias.

Outro dia o vice-líder do PT foi lembrar ao deputado Geddel Vieira Lima que o presidente do Correios era do PMDB, querendo dividir com o pemedebista a responsabilidade das acusações.

Ouviu de Vieira Lima o seguinte: "Ah é? Pois o presidente, responsável por tudo o que se passa na República, é do PT."

Com ironia, os pemedebistas se dispõem a emprestar seu "patrimônio ético" ao PT neste momento de crise, mas há pressão interna para que só faça isso por alto preço político.

Por exemplo, em troca de uma declaração explícita de que ou Lula não será candidato à reeleição, ou que qualquer acordo de governo não esteja condicionado ao projeto eleitoral desde já.

Com isso, o PMDB pretenderia construir a própria unidade tendo por base a candidatura à Presidência da República.

Dois candidatos

Apesar das postulações dos governadores do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, e do Paraná, Roberto Requião, o PMDB hoje só considera, a sério, o nome de dois candidatos a presidente: Anthony Garotinho e Nelson Jobim. É, o presidente do Supremo Tribunal Federal.

Lula conversa

Se já não conversou, o presidente Lula conversará nas próximas horas com os governadores Luiz Henrique (SC) e Jarbas Vasconcelos (PE).

O assunto, a reforma ministerial.