Título: A viagem de volta de 'um simples deputado'
Autor: Vera Rosa, Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Nacional, p. A6

Com óculos escuros e carregando uma mala de mão preta, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi o último passageiro a entrar no vôo JJ 3701 da TAM, que saiu ontem de Brasília com destino a São Paulo, às 9h11. Provocou olhares curiosos. Menos de 24 horas depois de entregar sua carta de demissão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dirceu parecia querer desanuviar a mente antes de chegar à capital para a reunião com os companheiros do PT. "Passei 30 meses sob pressão", disse ele ao Estado, numa referência ao tempo em que permaneceu no governo Lula, sem mostrar disposição para falar de política. Entre uma conversa e outra com petistas ao seu lado, olhava para a telinha à sua frente, que exibia paisagens paradisíacas do Brasil. "Era num lugar desses que eu queria estar agora", confessou, ao identificar um ambiente conhecido. "Sabem de onde é essa imagem?", perguntou.

Diante do silêncio, ele mesmo respondeu: "De Quixadá. Que lugar lindo! Eu passei um Ano Novo lá". Sentado na segunda fileira, na poltrona do corredor e próximo ao ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), Dirceu levantou três vezes para receber abraços e cumprimentos de passageiros. No vôo que durou 1h20 e trouxe para São Paulo vários petistas do Campo Majoritário, o grupo moderado do partido, muitos liam sobre a sua queda nas manchetes de jornais. "É ele!", cochichou um passageiro para o colega quando o ex-todo-poderoso chefe da Casa Civil se acomodou na poltrona 2 D. "Se esse avião cair, o PT terá um campo minoritário", brincou o deputado José Mentor (PT-SP).

Logo que foi abordado pelas repórteres do Estado, Dirceu avisou que não daria entrevista, mas aceitou conversar. "O que vocês querem comigo? Agora eu sou um simples deputado..." Bem-humorado, lembrou a ironia feita pouco antes pelo senador Magno Malta (PL-ES), também naquele vôo, sobre a denúncia de que o PT pagava mesada para deputados em troca de apoio ao governo no Congresso. "O Magno Malta me disse: 'Vocês são ruins, hein? Davam R$ 30 mil de mensalão e não conseguiram eleger o Luiz Eduardo Greenhalgh na presidência da Câmara?'" Malta confirmou o comentário, mas não sem dar uma estocada. "Foi a primeira vez que o Dirceu me cumprimentou desde a CPI dos Bingos", falou o senador, autor do infrutífero pedido de investigação protocolado depois do escândalo Waldomiro Diniz, o assessor da Casa Civil flagrado em 2002 pedindo propina a um bicheiro. "Antes desse vôo eu era persona non grata." Alheio à provocação, Dirceu evitava a todo custo tocar no assunto crise política. Repetiu que fará da tribuna da Câmara, na quarta-feira, a defesa do governo, do PT e dele próprio. "Está aliviado por ter deixado o governo?", perguntou a repórter. "Estou acostumado com pressão. Tem certas coisas que não me preocupam nem me tiram o sono, porque sei que não são verdade." Durante o vôo, só consumiu café e água. "Eu dormi pouco", disse. Em seguida, emendou: "Mas dormi bem." Na tentativa de demonstrar que "a luta continua", o ex-ministro contou que, depois de ter anunciado sua demissão, ficou até uma hora da madrugada "jogando conversa fora" com os amigos em sua casa, no Lago Sul. "São os meus amigos cubanos", brincou Dirceu, que no auge da ditadura - de 1969 a 1975 -- se refugiou em Cuba, onde recebeu treinamento para guerrilheiro.

Poucas horas de sono, porém, bastaram para recuperar-se de uma das noites mais difíceis de sua vida. Para espantar a tristeza, a prosa foi regada a rum e champanhe, e charutos cubanos. Entre os convidados estavam o senador José Sarney (PMDB-AP), os ministros Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social), e João Paulo Cunha. "Eu bebi pouco", garantiu Dirceu. "Depois, levantei cedo para fazer exercício.Eu cuido da minha saúde", respondeu o homem que jura ter as mãos limpas.