Título: Os riscos de deixar o Planalto e voltar à planície
Autor: Ana Paula Scinocca, Guilherme Evelin
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Nacional, p. A7

As frases ameaçadoras que o ex-ministro José Dirceu desfiou ontem, como se ainda estivesse empoleirado no alto de um ônibus, insuflando o povo contra a ditadura, tinham uma contradição essencial: não estamos em 1968, mas em 2005, e o rapaz do teto do ônibus está no poder. Por isso soa estranho convocar às ruas o PT e os movimentos sociais, as ONGs e quem mais quiser marchar. Marchar contra quem ou o quê? Soa paradoxal bradar impropérios roucos contra a imprensa, como se fosse um inimigo a combater, para logo se corrigir e lembrar que os tempos são democráticos. Senão, o que significa deixar o governo e, na noite seguinte, dar-se conta de que desde o início agrilhoou companheiros de outras tendências, tratadas todo esse tempo a ferro, fogo e, às vezes, guilhotina? Por que agora as diferenças deixam de ser relevantes, se o governo e seus conflitos vão continuar? Como se explica a ameaça explícita na expressão "a direita, o PFL e o PSDB estão brincando com fogo"? E o que significa a advertência a seguir - "ninguém aqui vai dormir com o inimigo"? Talvez seja a nostalgia de voltar à planície. Ao mesmo tempo em que cantou ter vencido "a batalha da governabilidade", cometeu o ato falho de admitir que o PT precisa fazer uma reflexão sobre "como devolver ao Estado a capacidade de governar". Pode ser que signifique nada, mas pode ser que signifique algo que, no primeiro momento, passa por indecifrável. CARLOS MARCHI JORNALISTA