Título: Reforma política?
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2005, Notas & Informações, p. A3

Os efeitos perniciosos do excesso de partidos com representação no Congresso não são produto exclusivo da "Nova República". Jânio Quadros, por exemplo, eleito com avassaladora votação, ficou órfão no Congresso, o que contribuiu decisivamente para o golpe fracassado da renúncia. Quando João Goulart foi apeado do poder pela Revolução de 1964, estavam representados no Congresso pouco mais de uma dúzia de partidos, uma herança que o marechal Castelo Branco não quis receber, decretando o bipartidarismo no AI-2.

Até março de 1980, as forças políticas tiveram de se acomodar em duas siglas. A partir de então, como efeito direto da Lei de Anistia e progressiva normalização da vida política, reinstituiu-se o multipartidarismo. Hoje, há 18 partidos com representação no Congresso e mais de 30 siglas com existência provisória ou definitiva - números que evidenciam a virtual impossibilidade da constituição de um bloco parlamentar que, de forma orgânica e natural, apóie o governo.

As maiorias que se constituem são artificiais, nelas não sendo rara a presença de siglas de aluguel. Piora esse quadro uma legislação que faz do detentor de cargo eletivo o seu dono, e não o eleitorado que representa ou o partido que o acolhe - o que permite a dança de cadeiras que altera a composição numérica da representação partidária - e não exige um mínimo de fidelidade à orientação do partido - o que aumenta os preços das barganhas.

Não admira, portanto, que, a cada crise, logo se avente a reforma política, como panacéia para os males que afligem o Executivo em suas relações com o Congresso. Mas a reforma não anda. Há projetos que estão há mais de dez anos no Congresso. O que mais progrediu ressona há mais de ano numa comissão.

Na semana passada, às voltas com o escândalo dos Correios e do IRB, e com denúncias que envolvem seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sacou do baú das reformas que não saem do lugar a política. "É extremamente importante a gente aproveitar esse momento político para discutir esse tema que, de vez em quando, se transforma em tabu dentro do Congresso. Por que não anda, se a grande maioria perguntada é favorável à reforma política? O que tem de tão sagrado que a reforma política não pode ser um instrumento de consolidação da democracia deste país e de fortalecimento dos partidos?"

Boas perguntas, que encontram resposta também no comportamento do presidente Lula. Eleito com grande apoio popular e político, mas sem maioria no Congresso - onde o PT ficou com apenas 17% das cadeiras -, ele foi o primeiro a não querer aproveitar essas vantagens para fazer andar a polêmica reforma. À correção ampla das mazelas partidárias, preferiu fazer alianças, muitas das quais se revelaram espúrias. Nesse processo, os operadores do Palácio do Planalto aproveitaram as falhas da legislação partidária para inflar os partidos aliados.

O presidente Lula, portanto, não tem de que se queixar. Também não poderia reclamar do resultado inevitável da exortação que fez na semana passada. À primeira vista, convocou um grande acordo político. Na prática, determinou a alguns auxiliares diretos, coordenados pelo ministro da Justiça, que apresentem, no prazo de 45 dias, uma proposta-síntese da reforma a ser aprovada. Ou seja, o chamado nem é universal - restringe-se ao pessoal de copa e cozinha - nem é urgente, pois, guardado o prazo determinado pelo presidente Lula e descontado o recesso de julho, restariam ao Congresso dois meses para aprovar medidas sobre as quais não se formou consenso em dez anos, já que, se não for aprovado e sancionado até 30 de setembro, o projeto não poderá vigorar para as eleições presidenciais do próximo ano.

O que pode tirar a reforma do atoleiro é a decisão do presidente do Senado de acelerar a tramitação dos projetos que lá se encontram, e a apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça, na terça-feira, da proposta de reforma fatiada, que, se aprovada definitivamente até setembro, instituirá a fidelidade partidária, o fim da verticalização das coligações e a federação de partidos nas eleições de 2006.