Título: Líbano define hoje o Parlamento
Autor: John Kifner
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2005, Internacional, p. A14

BEIRUTE - Líderes da oposição, críticos e diplomatas ocidentais afirmam que agentes da inteligência síria continuam operando no Líbano. Apesar da retirada das tropas sírias e das negativas de Damasco, as mesmas fontes acreditam que os agentes influenciaram as eleições que terminam hoje, depois de quatro etapas organizadas em diferentes partes do país. "Os sírios continuam controlando o Exército, os serviços de segurança", disse um ex- oficial de alto escalão da inteligência libanesa, que exigiu que seu nome não fosse revelado temendo ser assassinado. "Eles emitem ordens por telefone, e-mail, fax," disse o ex-oficial. "Todos neste governo continuam manipulados pela Síria." Os sírios e seus aliados estão trabalhando para aumentar o comparecimento às urnas dos eleitores do general Michel Aun, um cristão maronita. Essa aliança não deixa de ser até um certo ponto irônica. Aun ficou 15 anos no exílio e era o grande símbolo da resistência maronita à Síria. Desde a sua volta ao Líbano, tudo mudou. Agora Aun defende a manutenção de Emile Lahoud, um pró-sírio, no cargo de presidente. Por isso, tem o apoio da Síria. Com a vitória de Aun na etapa da semana passada, a permanência do presidente libanês escolhido a dedo pela Síria se tornou mais provável.

Hoje, na última etapa da eleição parlamentar, os eleitores do norte do país preencherão as últimas 28 cadeiras do Parlamento. Para essa disputa, Aun manteve a aliança com o país vizinho. Aliou-se ao ex-primeiro-ministro Omar Karami e a Suleiman Franjieh - os políticos mais pró-Síria no panorama libanês.

As exigências de afastamento de Lahoud pela coalizão de oposição estão diminuindo no mesmo ritmo que as perspectivas eleitorais desse grupo pioram.O xis do problema, segundo sugerem o ex-oficial e outras fontes, é financeiro. A relação entre oficiais da inteligência síria, que funcionavam quase como pró-cônsules no Líbano, e os serviços de inteligência militar e de segurança de Lahoud era muitas vezes lucrativa e corrupta.

"Vi pessoalmente os líderes regionais e os prefeitos sendo contatados pela inteligência do Exército para votarem na lista de Aun," disse o ex-oficial, referindo-se à pressão exercida sobre autoridades locais para votarem hoje. "Eles estão trabalhando para o grupo político de Aun porque é a melhor maneira de manterem o controle," disse ele.

Vários líderes de oposição fizeram acusações similares. Samir Franjieh, por exemplo, um membro dissidente do poderoso clã de extrema direita Franjieh, do norte do Líbano, disse que o brigadeiro Mohammed Khallof, da Síria, estava em Trípoli. O sírio estava "enviando ameaças a alguns membros da oposição, dizendo que o que aconteceu com o jornalista Samir Kassir, assassinado no início do mês, poderia ocorrer com outros", disseram seguidores de Samir Franjieh. Diplomatas ocidentais disseram ter recebido relatórios sobre oficiais militares sírios circulando pelo país. Para esses diplomatas, a situação é o resultado de uma década e meia de entrelaçamentos entre agências de inteligência sírias e libanesas. Eles se mostraram preocupados com a possibilidade de tentativas de assassinato.

Manter Lahoud no cargo teria vários significados. Um deles seria preservar os serviços de segurança que muitos libaneses julgam que estiveram envolvidos com a Síria no assassinato, em fevereiro, do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri.

Esse atentado com carro-bomba, que matou 19 outras pessoas, provocou enormes manifestações e forte pressão internacional, obrigando a Síria a retirar o resto de suas tropas que estavam no país desde 1976.

Na intrincada política libanesa, baseada na religião, a coalizão de oposição liderada por Saad Hariri, o filho de Rafic Hariri, e Walid Jumblatt, o chefe druso, pediu a saída de Lahoud da presidência e convocou uma marcha até o palácio, na semana retrasada.

Abandonaram o protesto a pedido do patriarca católico maronita, Nasrullah Sfeir, que abençoou o grupo de oposição cristão, mas resistiu quanto à deposição de Lahoud, um maronita.

O pacto nacional prevê que o presidente seja um maronita. Líderes do grupo xiita Hezbollah também declararam que não apoiariam os esforços para encurtar o mandato de Lahoud, que em novembro o Parlamento estendeu por três anos.