Título: Termina em fracasso a cúpula européia
Autor: Reali Júnior
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Internacional, p. A25

A cúpula da União Européia (UE) terminou ontem sem um acordo sobre o orçamento para o período 2007-2013. O resultado é considerado outro revés para o presidente francês, Jacques Chirac. O líder francês e a própria França estão sendo alvo de um verdadeiro tiroteio em quase toda a Europa desde 29 de maio, quando os franceses rejeitaram a Constituição da UE. Eurodeputados de várias nacionalidade responsabilizam Chirac pela situação. E Chirac, por sua vez, acusou ontem o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, pelo impasse nas negociações sobre o orçamento da União Européia, acrescentando que a Europa está em uma "grave crise".

Diante desse quadro da UE, sem Constituição nem orçamento, a França é apresentada pela imprensa britânica como um país museu ou uma Disneylândia para adultos - voltada para o próprio umbigo, incapaz de reformar seu modelo social e adotar mudanças indispensáveis. Um dos principais ressentimentos são os incentivos que os agricultores franceses recebem. A UE destina 40% de seu orçamento à agricultura. Do total, 25% vão para a França.

O ex-chanceler polonês Wlodzimierz Cimoszewitcz acha que a França está no limiar de um excepcional enfraquecimento na Europa. Um dos panos de pano de fundo seria também a questão da intervenção militar anglo-americana no Iraque, que levou o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, a classificar o eixo franco-alemão como a "velha Europa" ladeada por uma "nova Europa", mais "atlântica". França e Alemanha condenaram a guerra.

Os dois últimos dias em Bruxelas foram suficientes para se sentir que a influência francesa sofreu significativa redução, disse um comissário europeu.

Patrick Gaubert, eurodeputado conservador francês, sentiu tanto o clima hostil que chegou a afirmar: "Tenho a impressão de que nos tornamos estrangeiros em Bruxelas."

Na verdade, segundo o especialista britânico em assuntos europeus Stanley Crossik, a queda da influência francesa é muito anterior ao referendo que rejeitou a Carta européia. Só para se ter uma idéia, entre os 25 comissários (ministros que representam os países UE na administração em Bruxelas), 22 falam inglês nas reuniões, 2 se expressam em francês e apenas 1 em alemão. Essas três línguas são oficiais e de trabalho, mas cada vez mais o inglês se impõe.

E Blair vê seu prestígio crescer na instituição. Ontem, ele rejeitou categoricamente um último apelo de Chirac para congelar o chamado cheque inglês - reembolso que a Grã-Bretanha recebe desde 1984 sobre sua contribuição orçamentária para a UE. Ele reafirmou que só negocia se houver uma reforma de base da atual política agrícola . Diplomatas europeus acham que Blair poderia tirar vantagem do fracasso da cúpula para liderar um grupo ponderável de países visando a enfrentar o eixo franco-alemão.