Título: Abalado, partido tenta acordar a militância
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2005, Nacional, p. A6

Na defensiva, por causa das denúncias de corrupção, a direção nacional do PT voltou a lembrar de seus militantes. No ato de desagravo do partido, na noite de sexta-feira, em São Paulo, os oradores enfatizaram a necessidade de reanimar suas tropas. "Estamos precisando da energia e da garra dos militantes", admitiu o presidente do PT, José Genoino. "Eu sou um de vocês e nós somos o PT. Viva a militância", conclamou o ex-todo-poderoso José Dirceu, a figura mais festejada do encontro. A militância já foi um dos grandes patrimônios do PT. Mas o trabalho de reanimação e unificação não será fácil.

Segundo análises do sociólogo Rudá Ricci, professor da PUC-BH, os atuais dirigentes do PT optaram pela profissionalizar o partido. Esse processo, cujo início ele localiza em 1994, ficou evidente em 2004. Nas eleições municipais, os militantes foram substituídos em muitos lugares por cabos eleitorais pagos. Ricci, um ex-integrante dos quadros do PT, observa que esse movimento faz parte de um processo mais amplo: "No ano passado o PT se consolidou como o primeiro partido empresário do País. Sua estrutura, à moda americana, já influencia até o PSDB e o PFL."

Diante dessa máquina armada para ganhar eleições, segundo Ricci, os intelectuais de peso foram se afastando, assim como os militantes mais combativos. Entre os intelectuais que se afastaram, ele citou Chico de Oliveira, Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho. "Os que permaneceram têm menos voz que no passado. É o caso da filósofa Marilena Chauí."

INSATISFAÇÃO

A militância de base petista tem dado insistentes sinais de insatisfação com o governo Lula. "Mesmo considerando todas as dificuldades que ele herdou e todas as limitações impostas por este sistema capitalista, acho que o Lula poderia ter feito mais para reduzir o problema do desemprego", diz Antonia Carraro, integrante da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo. "Há muita gente na base do partido que acha ruim a política econômica do governo."

As denúncias de corrupção envolvendo integrantes da cúpula partidária aumentaram o desconforto dos militantes. Diante da artilharia pesada disparada contra o PT, pareciam preferir se unir em torno da bandeira vermelha e pôr em dúvida as fontes das denúncias - especialmente o ex-presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, considerado corrupto.

Segundo o operário aposentado Valdemar Rossi, que também faz parte da Pastoral Operária e integra o conselho regional da Arquidiocese de São Paulo na zona leste, a simples eclosão das denúncias já é suficiente para provocar abalos na base social e política do PT. "Esse é um tema muito caro à militância", diz. "A desaprovação a atos como os que estão sendo denunciados é unânime."

O desconforto podia ser percebido também entre alguns militantes que participaram do ato de desagravo, na sexta-feira. Um deles, crítico da política de alianças do governo Lula, dizia numa roda: "Eles fazem a burrada e depois a gente tem que vir aqui desagravar o partido e arrumar a situação."

Fora da chefia da Casa Civil, José Dirceu deverá se dedicar mais às articulações internas do partido. Na sexta-feira, ao enumerar as tarefas que deveriam ser executadas com mais urgência, pôs em primeiro lugar o trabalho de melhoria nas relações internas do partido.

Para os militantes mais à esquerda do espectro de tendências políticas que existem no PT, afirmação de Dirceu não é necessariamente uma boa notícia. Nos últimos anos, acusam-no, o ex-ministro teria agido como um trator à frente da ala majoritária que comanda, dando pouca atenção às dissidências.

Genoino, por sua vez, reforçou o pedido de unidade à militância. "Toda vez que o partido se divide acaba derrotado." O apelo pode ter chegado um pouco tarde.