Título: Consonâncias e dissonâncias
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2005, Nacional, p. A6

A preocupação quase obsessiva do PSDB em moderar o tom para não sair queimado da crise política - podendo dela tirar benefícios eleitorais - transformou a frase "Lula não é Collor" num mantra tucano cuja obviedade chega a soar ofensiva para o presidente Luiz Inácio da Silva. Pois ainda que o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tivessem esquecido de nos avisar, é evidente que "Lula não é Collor". Cada um tem suas agruras, embora a vivência delas apresentem pontos de convergência.

É o que se observa no exame de uma breve e informal pesquisa feita pela empresa Análise Comunicação, do jornalista Eduardo Oinegue, comparando episódios da turbulência em cartaz com fatos da crise que terminou no impedimento de Fernando Collor de Mello.

Oinegue listou 40 itens de comparação entre uma época e outra, pesquisou em arquivos de jornais e revistas, conversou com personagens dos dois casos, rebuscou na memória episódios da crise Collor - que acompanhou de perto na revista Veja - e chegou à seguinte conclusão: "A maior e definitiva diferença é que Collor se beneficiou do produto da corrupção e Lula não foi atingido até porque não está sendo acusado pessoalmente de nada".

Ainda assim, o jornalista achou 32 pontos de aproximação e apenas 8 fatores que distanciam ambas as crises. Como estudo de observação de épocas e comportamentos, é curioso o detalhamento de consonâncias e dissonâncias.

Primeiro, as coincidências:

1. Nos dois casos a coordenação política do governo foi alvo de boatos sobre a qualidade do relacionamento que mantinha com políticos.

2. Em ambos, as denúncias tiveram origem na imprensa.

3. Em 1992 e agora apareceram testemunhas-chave dando entrevistas bombásticas. Lá o papel foi desempenhado por Pedro Collor e hoje por Roberto Jefferson.

4. As denúncias se concentravam, pelo menos inicialmente, em torno de um personagem central.

5. Esse personagem era o tesoureiro da campanha eleitoral.

6. Nos dois, o tesoureiro é acusado de financiar políticos de outros partidos que não o seu.

7. Em nenhum dos dois o referido financiamento limita-se ao período eleitoral.

8. Tanto em um quanto no outro, o tesoureiro em questão é pessoa com acesso direto ao presidente.

9. Depois da eleição, ambos os tesoureiros passaram a ter rotinas de vida diferentes das anteriores.

10. Nem um, PC Farias, nem outro, Delúbio Soares, tinham cargos no governo.

11. Os dois freqüentavam o Palácio do Planalto, embora PC preferisse tratar dos assuntos na Casa da Dinda.

12. Ambos mantinham contatos regulares com autoridades do governo não pertencentes a seu partido.

13. Lá, como cá, os tesoureiros criaram um círculo adicional de relacionamento com empresários.

14. Coincidente também o fato de as acusações alcançarem mais de um ministério.

15. Nos dois casos as denúncias provocaram abertura de comissões de inquérito no Legislativo.

16. Logo se pôs em jogo a questão da "governabilidade".

17. Nem o governo Collor nem o de Lula reagiram de pronto e competentemente às denúncias.

18. Ambos tentaram impedir a instalação das CPIs.

19. A entrevista inicial partiu de alguém com acesso íntimo e direto à estrutura alvo das denúncias.

20. Nas acusações, são lançadas suspeitas sobre integrantes da equipe presidencial com assento no Palácio do Planalto.

21. Collor, como Lula, não montou boa estrutura de defesa.

22. São semelhantes também as informações de que o presidente da República havia sido posto a par das acusações.

23. Os dois presidentes foram acusados de inação.

24. A primeira reação oficial foi negar tudo em vez de agir.

25. Collor e Lula usaram a mesma frase - "doa a quem doer" - para assegurar apuração rigorosa de tudo.

26. Há 13 anos também integrantes da base de apoio do governo responsabilizaram as "elites contrariadas".

27. Houve também o aviso prévio aos presidentes.

28. O Banco Central ficou protegido nas duas crises.

29. A imprensa teve papel essencial na investigação.

30. As primeiras denúncias foram confirmadas em entrevistas e reportagens.

31. Havia, como agora, altos funcionários envolvidos.

32. As denúncias surgiram no momento em que os partidos aliados reclamavam do tratamento recebido por parte de ambos os governos.

Agora, as discrepâncias:

1. Collor foi, mas Lula não foi flagrado na mentira.

2. Agora não há provas do enriquecimento do tesoureiro.

3. Fernando Collor foi, mas Lula não está sendo acusado de se beneficiar pessoalmente do esquema.

4. O PRN de Collor, diferente do PT, não tinha tradição.

5. Os indicadores da economia agora se mantêm positivos.

6. A oposição era incendiária, agora é mais branda.

7. O mercado financeiro na crise atual reage bem.

8. O vice-presidente José Alencar, ao contrário de Itamar Franco, não está contra o presidente.