Título: A Varig sob a Lei de Falências
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Economia, p. B2

Para não falir, a Varig procurou abrigo na nova Lei de Falências. Não há clareza sobre o que isso vai significar e se a empresa conseguirá recuperar-se.

O objetivo imediato é evitar que lhe sejam tomados onze aviões de sua frota que estão em operação sob contrato de leasing, ou seja, sob contrato de arrendamento.

Sob o guarda-chuva da Lei de Falências, que substituiu o antigo estatuto da concordata preventiva, a Varig tem agora 60 dias para apresentar um plano de recuperação a seus credores. As dívidas passadas, cujo total deve aproximar-se dos R$ 10 bilhões, farão parte de um esquema submetido a regime especial de resgate. As contas novas terão de ser pagas normalmente, de acordo com o que estiver nos contratos.

No regime anterior de concordata preventiva, os fornecedores só aceitavam pagamento à vista. A nova lei criou o crédito extraconcursal, que, em caso de quebra, terá precedência na cobertura da massa falida.

Há várias questões em aberto. A primeira delas é como ficam as dívidas da Varig com o Tesouro, com a Previdência e com entidades estatais. O setor público está proibido de participar de um processo de recuperação de uma empresa, que é para impedir maracutaias, perdões judiciais, essas coisas. Mas há um projeto de lei já aprovado no Senado em tramitação na Câmara que autoriza essa novidade. É provável que seja aprovada, mas sabe-se lá se as atuais convulsões políticas não vão mexer também nessa disposição.

Uma segunda incógnita é saber se o controlador da Varig, que é a permanentemente encrenqueira Fundação Ruben Berta, vai aceitar o plano de recuperação da empresa.

A terceira é se os aviões podem ou não ser arrestados por falta de pagamento de contrato de leasing. A Lei de Falências no seu artigo 199, parágrafo único, diz que podem ser arrestados. Se de fato puderem, a principal motivação pela qual a Varig recorreu ao abrigo da Lei de Falências (a suspensão do arresto) ficará sem sentido e a redução de vôos e de aviões prejudicará seu desempenho, mesmo sob nova proteção. O advogado da Varig alega que a lei suspende de arresto apenas os "contratos de arrendamento mercantil" e que os da Varig são contratos de "arrendamento simples". Se essa tese prevalecer, os contratos de arrendamento com companhias aéreas ficarão mais caros ou as companhias de leasing evitarão contratos assim.

É a primeira vez que uma companhia aérea entra na Lei de Falências. Não dá para saber se o passageiro vai confiar na segurança dos vôos de uma companhia aérea ameaçada quando pode voar sob bandeiras que não têm esses problemas. Nos Estados Unidos, as principais companhias aéreas estão sob o abrigo de lei semelhante (a chapter eleven), sem prejuízo aparente para seu desempenho comercial. Mais provável é que a clientela vai predispor-se a mudar de companhia se houver cancelamentos e atrasos de vôo.

Falta saber ainda o que vai acontecer com outro crédito contra a Varig, que é o crédito de milhagem. Como a filosofia desse crédito é ajudar a ocupar assentos que normalmente voariam vazios, não faria sentido deixar de honrá-lo. Mas a empresa pode entender que não é hora de conceder esses luxos.

Tudo isso não precisava ter acontecido. Aconteceu porque a Varig funcionou como uma empresa sem dono. Essa Fundação Ruben Berta, que reúne funcionários e aposentados da empresa, vive em permanente conflito existencial. Não sabe se opta pelos interesses da empresa ou se opta pelos interesses dos seus associados. Isso vale para salários, benefícios de pensão ou simples vaidade pessoal.