Título: Divergências na pauta da cúpula do Mercosul
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/06/2005, Economia, p. B8

Sem exuberantes expectativas de avanços na solução dos conflitos comerciais que atravancam há meses o funcionamento do Mercosul, começa hoje na capital paraguaia a 18.ª reunião de cúpula do bloco do Cone Sul. O encontro promete ser marcado pelas divergências comerciais entre os dois grandes sócios - Brasil e Argentina - já que o governo Kirchner persiste na exigências de criar um mecanismo que evite os efeitos de eventuais assimetrias econômicas no comércio. Nesta cúpula, no entanto, ao contrário das anteriores, a posição protecionista argentina contaria com um aliado circunstancial, o Uruguai, visivelmente irritado com o funcionamento do Mercosul, poderia ser cooptado para o lado da Argentina e Paraguai. Assim, o Brasil deve ficar isolado em sua posição de não aceitar medidas protecionistas dentro do bloco.

O governo paraguaio, do presidente Nicanor Duarte Frutos, defende a aplicação de um mecanismo que consistiria de "medidas especiais para as importações de produtos originários de um Estado membro". Estas teriam caráter excepcional e temporário, e só seriam implementadas quando ocorresse uma acentuada alteração das variáveis macroeconômicas que tivessem como efeito um aumento das vendas de produtos de um país sócio em outro, prejudicando um setor da produção nacional.

A proposta paraguaia também estipula que o país atingido poderá aplicar as medidas especiais no caso de o valor das importações registradas de um produto proveniente de outro país sócio superar 25% do total importado desse produto. Este mecanismo também seria ativado no caso de os fluxos de importação nos 24 meses anteriores indicarem um crescimento médio superior a 10% em relação à média de importações dos últimos 3 meses.

Além disso, a proposta estipula que o governo do país que desejar aplicar a "medida especial" convocará os setores privados das duas partes, mais representantes dos governos, para tentar um acordo. Caso isso não seja possível, poderá aplicar o mecanismo a partir de um prazo de 15 dias. A medida a ser aplicada seria uma tarifa alfandegária de porcentagem ainda a estipular. Desta forma, o tratamento dado a este produto de um país do bloco seria equivalente ao de um produto de um país de fora do Mercosul.

INVASÕES

Do lado argentino admite-se que existe concordância conceitual com o Paraguai sobre as medidas de proteção, embora os caminhos escolhidos sejam diferentes. O governo Kirchner propõe aplicar um sistema que evite eventuais invasões de produtos de um país-sócio em outro por meio de um mecanismo de salvaguardas.

Uma primeira proposta formal da Argentina foi entregue em setembro. De lá para cá, diversas reuniões foram realizadas para tentar encontrar uma fórmula de consenso, sem resultados. O chanceler Rafael Bielsa recentemente afirmou que as respostas do Brasil haviam sido "insatisfatórias".

O Secretário de Relações Econômicas Internacionais da Argentina, Alfredo Chiaradía, declarou ontem que o governo Kirchner pretende implementar um sistema que possa ser utilizado para proteger alguns setores - durante o processo de integração - prejudicados pela entrada de produtos de outros países do bloco. "Seria uma porta de entrada para aplicar uma restrição por volume ou preço", explicou. Segundo ele, esse sistema "não vai danificar o Mercosul".

Chiaradía argumentou que há um viés positivo na medida de proteção. Segundo ele, os setores que temem liberalizar o comércio, se contarem com um mecanismo que lhes garanta proteção circunstancial se sentirão mais seguros. "Um mecanismo assim não é contraditório com uma união alfandegária, já que ele dá segurança aos governos e empresários para serem mais ambiciosos nos processos de liberalização", disse.