Título: A hora do realismo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2005, Notas e informaçoes, p. A3

Semanas atrás, o governo chinês anunciou a sua radical e definitiva oposição à ascensão do Japão como membro permanente do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), como parte do processo de reforma do organismo proposto pelo secretário-geral Kofi Annan. O que provocou a reação da chancelaria chinesa foi a apresentação à Assembléia Geral, pelo G-4 - grupo formado por Alemanha, Brasil, Índia e Japão -, de um projeto que adotava o chamado Modelo A, ou seja, a ampliação do Conselho pela inclusão de seis novos membros permanentes e de três membros com mandato renovável de dois anos. Tendo o G-4 precipitado o debate, Pequim deixou claro que não admitiria o acesso do Japão como membro permanente e vetaria uma resolução da Assembléia Geral nesse sentido, se o caso chegasse à apreciação do Conselho de Segurança. Agora foi a vez de os Estados Unidos colocarem as cartas na mesa. Apoiarão apenas as candidaturas do Japão e de um outro país - ao que tudo indica, a Índia - e eventualmente aceitarão um país africano, como membros permanentes.

As declarações de Washington e Pequim explicitam um impasse no processo de reforma da ONU. Antecipando vetos - como o da China ao Japão e o dos Estados Unidos à Alemanha - e estabelecendo critérios para a escolha de eventuais novos membros permanentes, as duas potências estão indicando que, na verdade, desejam manter o status quo no Conselho de Segurança.

Já antecipando esse movimento, o G-4 havia anunciado que "abria mão" do direito de veto por 15 anos, desde que Alemanha, Brasil, Índia e Japão fossem contemplados com os lugares permanentes. Foi manobra pueril, uma vez que os quatro países "abriam mão" de um poder que não tinham. Da mesma forma, não passa de uma tentativa de tapar o sol com peneira a interpretação dada pelo governo brasileiro à posição assumida pelo governo norte-americano. Brasília entende, segundo o noticiário, que Washington apóia o Modelo A, restando ao Brasil negociar o apoio dos Estados Unidos à principal reivindicação política do Itamaraty.

Ora, o que os Estados Unidos anunciaram foi uma alternativa que altera substancialmente, e na essência, o Modelo A. E, se isso não bastasse, o subsecretário de Estado Nicholas Burns classificou a proposta do G-4, com todas as letras, de "uma expansão tipo 'big bang', prejudicial à eficácia do Conselho de Segurança, e (sua aprovação) não seria um passo sábio ou pragmático".

Não bastasse isso, os Estados Unidos estabeleceram critérios próprios para a escolha dos novos membros do Conselho de Segurança que claramente deixam o Brasil em desvantagem, para dizer o mínimo. São eles: importância econômica do país e seu aporte financeiro para a ONU; extensão territorial e tamanho da população; poderio militar e capacidade potencial de contribuir com soldados e dinheiro para as missões de paz da ONU; compromisso com a democracia, os direitos humanos, a não-proliferação nuclear e a luta contra o terrorismo; e a preocupação de alcançar equilíbrio geográfico.

A China, os Estados Unidos e, por extensão, a Inglaterra - três dos cinco países com poder de veto - certamente preferirão escolher países com os quais têm maiores pontos de identidade, nos aspectos políticos e estratégicos, do que com o Brasil. E a maior preocupação dessas potências é aprovar, em primeiro lugar, os pontos da proposta de Kofi Annan que se referem às várias instâncias da ONU, entre as quais a Comissão de Direitos Humanos, aos processos administrativos e aos métodos de orçamentação da organização. Por isso, reclamam que a proposta do G-4 alterou essas prioridades, trazendo para o topo da agenda a parte da reforma, a do Conselho de Segurança, mais polêmica, capaz de travar as demais mudanças.

Compreende-se que a atual liderança do Itamaraty relute em reconhecer os fatos, tal como se apresentam. Afinal, o chanceler Celso Amorim dedicou os dois anos e meio em que está à frente da diplomacia a fazer do sucesso da candidatura do Brasil o principal feito da política externa petista. Nos últimos dois meses, por exemplo, despachou emissários para os países mais remotos do globo, com a missão de obter apoios explícitos à candidatura brasileira. É hora, porém, de o Itamaraty considerar com realismo as verdadeiras possibilidades do Brasil na disputa por um lugar permanente no Conselho.