Título: Rodas de leitura e outras ações na escola. O Brasil quer mais leitores
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2005, Vida&, p. A14

Pouco contato com livros alimenta o analfabetismo; projetos educacionais buscam incentivar o hábito de ler

O jardineiro da Escola da Vila, Antonio Carlos das Neves, retira livros infanto-juvenis da biblioteca. Difícil começar a se habituar à leitura com longos clássicos, explica a professora. O prazer de ler para ele surgiu durante rodas de leitura organizadas pela escola, na zona sul de São Paulo, que neste ano passaram a juntar funcionários e alunos. A escolha de 2005 como o Ano Ibero-Americano da Leitura por várias organizações internacionais tem movimentado colégios particulares, governo e terceiro setor. Um dos objetivos é mudar o baixo índice de 1,8 livro por habitante lido por ano no País. "A escola tem uma papel primordial no desenvolvimento da leitura. Depois da família, é ela que ajuda a formar novos leitores", diz Galeno Amorim, presidente do conselho diretivo do Ano Ibero-Americano da Leitura no Brasil, que aqui foi batizado de Viva Leitura. Ele também é o responsável pelo Plano Nacional do Livro e Leitura, instituído neste ano, que apóia a produção de livros, a criação de bibliotecas públicas e promove ações para uma maior consciência sobre o valor da leitura. Uma delas será uma gincana entre escolas, organizada pela Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) no segundo semestre. Ganha a escola que desenvolver melhores projetos de coleta de livros e da conseqüente distribuição para a sociedade dos exemplares arrecadados. "Os livros hoje estão concentrados principalmente no Sudeste e nas classes A e B. A gincana quer incentivar uma melhor distribuição deles", diz o presidente da Abrelivros, João Arinos.

ANALFABETISMO FUNCIONAL

As dificuldades em leitura das crianças brasileiras são evidenciadas freqüentemente em exames nacionais e internacionais. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o País apresenta um dos piores desempenhos na área. A média geral dos alunos no último exame em leitura ficou no mais baixo nível de proficiência. Outro problema que poderia ser amenizado no Brasil com o hábito da leitura é o analfabetismo funcional, aquele em que a pessoa foi alfabetizada, mas não é capaz de compreender o que lê. O Brasil tem hoje 38% de analfabetos funcionais. "O aluno não vai gostar de ler se não tiver um professor leitor", diz a diretora-geral do Colégio Pentágono, Gracia Klein. Segundo ela, a instituição capacita seus professores para que se aproximem da leitura e saibam desenvolver o prazer de ler nos alunos. Os livros são lidos conjuntamente em salas de aula e não há provas para cobrar o conteúdo das obras. Neste ano, a festa junina da escola vai cobrar livros como ingresso e eles serão usados para a montagem de uma biblioteca na cidade de Anhembi, no interior do Estado. O projeto faz parte do programa São Paulo, um Estado de Leitores, promovido pelo governo estadual. Na Escola da Vila, além das rodas de leitura, haverá neste ano uma feira literária com a presença de escritores, ilustradores e tradutores. "Agora, deixei um pouco de lado a TV", conta o jardineiro Neves. Ele fala com orgulho dos dois livros que já tomou emprestados da biblioteca da escola. A coordenadora de leitura da Vila, Célia Nascimento, explica que o trabalho feito ano a ano com as crianças para criar uma "comunidade leitora" agora está sendo estendido aos funcionários. Sandra Aparecida Soares, do almoxarifado, levou para casa um livro do Ziraldo, que despertou o interesse da filha de 13 anos. As rodas de leitura também conquistaram os jovens da favela de Paraisópolis, que participam do projeto organizado pelo Instituto Singularidades, uma instituição de formação de professores. "Tem um impacto enorme a leitura de um livro feita por um adulto para outro adulto", diz a coordenadora de extensão do instituto, Cristina Nogueira. Depois de participar das rodas, os jovens - que até então nunca haviam estado em uma biblioteca - passaram a ler para crianças da comunidade. O Ano Ibero-Americano da Leitura é uma iniciativa da Organização dos Estados Ibero-Americanos, da Unesco e de governos de países da região. O movimento no País constatou que há mil municípios sem bibliotecas. Além disso, a tiragem de livros no Brasil é baixa: em média 2 mil exemplares. Um dos incentivos para mudar esse cenário foi a lei assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que isentou a produção, a comercialização e a importação de livros de qualquer tipo de imposto.