Título: Crítica de Bush acaba favorecendo linha-dura
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/06/2005, Internacional, p. A10

Declaração de que Irã não é democrático foi manipulada para parecer pedido de boicote, com efeito oposto

TEERÃ - O linha-dura que arrebatou o segundo lugar na eleição presidencial do Irã, forçando um segundo turno, era mais conhecido por ter removido David Beckham dos outdoors de Teerã. Como prefeito, Mahmoud Ahmadinejad, de 49 anos, considerou que o rosto do jogador britânico discrepava de sua visão conservadora para a cidade. Beckham, o primeiro estrangeiro a aparecer na publicidade no Irã desde a revolução de 1979, desapareceu. Se Ahmadinejad, a opção mais temida pelos reformistas iranianos e pelo Ocidente, vencer no segundo-turno de sexta-feira, as relações internacionais do Irã provavelmente sofrerão um golpe similar. "Os EUA tiveram liberdade para cortar laços com o Irã, mas continua sendo do Irã a decisão de restabelecê-los ou não", disse Ahmadinejad na campanha. Seu avanço surpreendeu tanto os iranianos quanto os observadores estrangeiros. Na última hora, o regime iraniano decidiu apoiar o franzino conservador, mobilizando a milícia voluntária legalista Basij para que votasse em massa em seu favor. Sua mensagem simples de populismo econômico e preocupação social também atraiu os pobres, permitindo-lhe chegar a apenas 2 pontos porcentuais do ex-presidente Ali Hashemi Rafsanjani. "É um golpe militar por meio de um processo eleitoral", disse Ebrahim Yazdi, principal figura da organização pró-reforma Movimento pela Liberdade do Irã. "Os basij não deveriam se envolver, mas sua infra-estrutura foi usada para o voto a favor de Ahmadinejad, e eles têm escritórios em todas as vilas do Irã." No entanto, o resultado surpreendente parece conseqüência da política obscura do Irã, não de fraude generalizada. Paradoxalmente, o presidente dos EUA, George W. Bush, contribuiu para sua ascensão, declarando na véspera da eleição que a Constituição iraniana não era democrática. O regime de Teerã manipulou a mensagem com habilidade, dizendo aos iranianos que Bush estava ordenando um boicote: o público reagiu votando em massa. "Eu não pensava em votar até saber que Bush queria um boicote", disse um partidário de Ahmadinejad. "Foi como um vizinho se metendo em decisões de família." Ahmadinejad é um firme defensor do direito do Irã de desenvolver um programa de energia nuclear. Formado em engenharia civil, ele nasceu num bairro pobre de Teerã. No início da guerra com o Iraque, em 1980, entrou na Guarda Revolucionária. Tornou-se prefeito de Teerã em 2003, num mandato marcado pela limitação das reformas e pelo retorno à disciplina cultural islâmica. "Não fizemos uma revolução a fim de ter democracia", disse certa vez.