Título: Lula admite mal-estar no Mercosul
Autor: Ariel PalaciosCida Fontes
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/06/2005, Economia, p. B1

No encerramento da cúpula do bloco, presidente diz que não há como esconder a existência de vários problemas para a integração

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu a existência de mal-estar entre os países membros do Mercosul em relação à integração. "Não podemos negar que temos enfrentado dificuldades nessa caminhada. Não há como esconder a existência de um certo mal-estar. Nosso esforço não se tem traduzido em benefícios reais, principalmente para os países menores", disse. A declaração foi feita no encerramento da 28.ª Reunião de Cúpula do Mercosul, ontem, em Assunção, Paraguai. A reunião foi marcada por queixas generalizadas sobre o estancamento do Mercosul. Mais uma vez, os avanços para a resolução dos conflitos comerciais internos foram classificados de "mornos" por integrantes de várias comitivas do bloco. Além disso, houve recriminações de todos contra todos. Lula sustentou que, "em muitos momentos", faltou "agilidade para pôr em prática decisões adotadas e compromissos assumidos". Segundo ele, "muitos dos esperados ganhos da integração não se materializaram. Persistem, por isso, questionamentos e mesmo recriminações mútuas". A saída para esses impasses, disse Lula, é vencer os obstáculos com "ousadia e determinação". Nos últimos meses, especialmente ao longo da semana passada, o andamento lerdo da integração do Mercosul foi o alvo de críticas de Buenos Aires, Assunção e Montevidéu. O vice-presidente do Paraguai, Luis Castiglioni, chegou a especular sobre a conveniência de seu país abandonar o Mercosul. O Ministro da Economia do Uruguai, Danilo Astori, homem forte do governo do presidente Tabaré Vázquez, definiu o bloco como um "queijo gruyère", por causa "dos vários buracos que suas normas possuem". Horas antes do discurso de Lula, Tabaré Vázquez, que assumiu a presidência pro tempore do Mercosul, disse que o bloco está "politicamente estancado". O presidente Ricardo Lagos, do Chile (país associado do Mercosul), afirmou que "a integração era muito lenta'. Ele alertou: "As necessidades econômicas de nossas nações não esperam." Apesar dos problemas, Lula mostrou otimismo com a capacidade do bloco em superá-los. "É certo que queremos um Mercosul que vá além da simples eliminação de tarifas. Não podemos recuar, porém, no aperfeiçoamento da união aduaneira. Não devemos ceder à tentação das soluções fáceis para questões pontuais de comércio, que não refletem a realidade maior dos ganhos que a integração oferece." Ele indicou que entre as estratégias a adotar está a harmonização de políticas públicas comunitárias. "Precisamos conformar uma política industrial comum, que pense nossos sistemas produtivos de maneira integrada. Um passo crucial foi reconhecer a necessidade de superar as assimetrias econômicas entre nossas economias." Segundo Lula, o Brasil tem consciência de suas obrigações e responsabilidades como economia maior do bloco. "Sabemos que os benefícios reais e efetivos do Mercosul, em particular para os sócios menores, dependem da diversificação de nossa pauta de importações, sobretudo para produtos de maior valor agregado."

CONFLITOS

Em referência implícita às constantes reclamações argentinas sobre a suposta invasão de produtos brasileiros, Lula sugeriu que a presidência pro tempore do Mercosul "faça um levantamento minucioso dos obstáculos e compromissos pendentes na agenda econômico-comercial do Mercosul. Esse balanço orientará uma pronta resposta aos problemas pendentes". Lula também afirmou que no processo de integração não há lugar para hegemonismo nem podem prevalecer interesses imediatos e visões de curto prazo. "Queremos construir um Mercosul solidário, em que todos estejam dispostos a ceder algo em prol do desenvolvimento coletivo." Recentemente, o governo argentino fez críticas à uma suposta intenção de "hegemonia regional" do Brasil.