Título: 'Agimos em nome do PT'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/06/2005, Notas e Informações, p. A3

Seria um alívio para todos quantos sempre colocam em primeiro lugar o interesse nacional se ficasse irrefutavelmente demonstrado que "o Brasil está diante de uma grande mentira". Foi o que escreveu sábado neste jornal o presidente do PT, José Genoino, para refutar as suspeitas de que o partido patrocinou a compra da lealdade de dezenas de membros das bancadas aliadas ao governo na Câmara - o acusador, deputado Roberto Jefferson, fala em 80. Genoino invoca a "reputação política e moral" da agremiação como uma espécie de garantia de que "não seria a circunstância de termos chegado ao poder" que faria os petistas abandonar os seus valores históricos. Nesse mesmo sábado, porém, outras palavras punham em xeque as do principal dirigente da legenda. Na reunião a portas fechadas do diretório nacional do PT, dominada - apesar dos esforços da cúpula partidária do ex-ministro José Dirceu em sentido contrário - pelas pressões para o afastamento do secretário- geral Sílvio Pereira e do tesoureiro Delúbio Soares, o primeiro indagou dos cerca de 70 companheiros presentes por que deveriam ser punidos "só dois, se Jefferson cita cinco: eu, Delúbio, Dirceu, Genoino e Sereno (o secretário de Comunicação da sigla, Marcelo Sereno)?" E emendou: "Agimos em nome do PT. O que eu fiz foi decisão partidária. Se eu sair, vai ter de sair todo mundo." Tudo gira em torno desse ominoso "o que eu fiz". Primeiro, porque se liga de imediato ao que o então ministro Dirceu jurava: "Eu só faço o que o presidente manda e não faço nada sem o seu consentimento." Segundo, porque ninguém diz uma coisa daquelas, se o que foi feito pode manchar a reputação invocada por Genoino. A rigor, o que até agora há de concreto ou de muito provável sobre o "mensalão" não incrimina o PT - teria sido um deputado do PL que tentou subornar uma deputada do PSDB para mudar de legenda e teria sido o chefe do gabinete do líder do PP na Câmara, José Janene, o pagador da mesada a correligionários, com recursos obtidos por ocupantes pepistas de cargos em estatais. Mas a cúpula do PT não desmente que tenha se reunido no ano passado com o então presidente petebista Roberto Jefferson para acertar o que, segundo Genoino, seria o "apoio material" aos candidatos a prefeito do PTB e, segundo Jefferson, um repasse ilegal de R$ 20 milhões. A negativa não convenceu: o que se discute na imprensa não é se correu dinheiro, mas que fim levaram os R$ 4 milhões que Jefferson diz ser tudo que o publicitário mineiro Marcos Valério Fernandes de Souza lhe entregou pessoalmente, em duas parcelas. Não falta quem atribua a decisão do deputado de levar ao presidente a história do "mensalão" ao desejo de se vingar dos que, descumprindo a promessa, o deixaram na mão junto aos seus. Outro fato suspeito, também amplamente noticiado, é a intimidade pessoal - e negocial - de Marcos Valério com os petistas cinco-estrelas. Eles não apenas mantinham encontros freqüentes, como ainda as agências do operoso publicitário fecharam ou renovaram contratos que somam cerca de R$ 150 milhões com a área pública. Um caso significativo é o da Câmara: Marcos Valério trabalhou na vitoriosa campanha do deputado João Paulo Cunha à presidência da Casa em 2003. No mesmo ano, uma de suas empresas foi contratada pela Câmara em licitação para o que seria um serviço de R$ 9 milhões - elevado a R$ 21,8 milhões mediante três aditivos ao contrato original. Contra as denúncias que sugerem que a ética do PT não é mais aquela, o ex-ministro Dirceu resolveu capitanear uma estratégia duplamente temerária: debitar tudo a um espectral "complô das elites", envolvendo os partidos de oposição e setores da mídia para "desmoralizar o partido perante a opinião pública". É temerária pelo óbvio efeito de acirrar as tensões políticas, ainda mais que Dirceu decidiu mobilizar o MST contra o "golpismo". E é temerária porque fortalece a impressão de que o partido quer jogar areia nos olhos dos brasileiros. A pesquisa CNI-Ibope divulgada no fim da semana é eloqüente a respeito da percepção popular das traficâncias federais. Resta o consolo do efeito bom da crise: o plano do governo de congelar os seus gastos de custeio e de zerar com o tempo o déficit nominal. E o próprio PT anuncia um projeto para cortar ao menos parte dos 19 mil cargos passíveis de serem loteados pelos políticos.