Título: Recuperação judicial
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/06/2005, Notas e Informações, p. B3

O pedido de recuperação judicial feito pela Varig, com base na nova Lei de Falências, pode dar ao Conselho de Administração da empresa o mínimo de tempo de que ele precisa para elaborar um plano de reestruturação. Todas as tentativas anteriores de encontrar saídas para a grave crise financeira da Varig esbarraram na baixa capacidade da empresa de gerar caixa suficiente para amortizar pesadas dívidas e, simultaneamente, manter suas operações. Mas não foi esse o principal problema da empresa, que poderia ter sido saneada há pelo menos dez anos, não fosse a irracional obstrução feita pela Fundação Rubem Berta (FRB), controladora do grupo, a qualquer tentativa de recuperação. A decisão de recorrer à nova Lei de Falências certamente dará um fôlego à empresa, mas os problemas de governança só poderão ser resolvidos se o plano de reestruturação, a ser apresentado dentro de 60 dias à Justiça e aos credores, conseguir remover do caminho da recuperação a FRB. Segundo o presidente do Conselho de Administração, David Zylberstajn, dificilmente a Varig chegará ao final do processo de recuperação com a atual estrutura acionária, com a FRB detendo 87% das ações controladoras. Não param aí as dificuldades da Varig. A empresa deve à Receita Federal cerca de R$ 1,3 bilhão, já inscrito na dívida ativa da União, além de R$ 1,18 bilhão à Previdência. Para implementar qualquer plano de recuperação feito no âmbito da Lei de Falências, a Varig terá de comprovar regularidade fiscal e apresentar certidões negativas de débitos emitidas pela Receita e pelo INSS. E o problema é que, depois de ter renegociado esses débitos, voltou a ficar inadimplente. Foi excluída do programa de parcelamento do INSS e desde fevereiro não amortiza o programa de refinanciamento de débito da Receita Federal. Pela legislação atual, o setor público está proibido de participar de programas de recuperação de empresas privadas - uma medida prudencial em boa hora adotada para impedir favorecimentos a inadimplentes e sonegadores, inclusive o perdão da dívida. E a Varig não terá como se aproveitar dos benefícios do projeto de lei que completa a Lei de Falências, apresentado ao Congresso no ano passado pelo líder do governo, senador Fernando Bezerra. Esse projeto, já aprovado no Senado, mas parado na Câmara dos Deputados, autoriza as empresas em recuperação judicial a parcelar suas dívidas com o Fisco em até seis anos. Há, tanto da parte do governo como do setor privado, grande interesse na aprovação do projeto - inclusive na ampliação do prazo de financiamento de seis para dez anos, o que mandaria o projeto de volta para o Senado -, uma vez que, sem essa medida, serão poucas as empresas que poderão se beneficiar da Lei de Falências, pois as empresas em dificuldades geralmente deixam de pagar impostos e contribuições previdenciárias. O que levou a Varig a recorrer, agora, à Lei de Falências foi a ameaça iminente de recuperação de pelo menos 11 aviões de grande porte, usados principalmente em linhas internacionais, por empresas de leasing. Com liminares pedidas em tribunais do Rio de Janeiro e Nova York, essa ameaça fica temporariamente conjurada, podendo a Varig manter intacta a sua programação de vôos, enquanto as liminares estiverem em vigor. Sem aqueles 11 aviões, a Varig perderia cerca de 15% de sua frota e teria de cancelar algumas de suas mais lucrativas rotas, perdendo clientela. É preciso observar que a Varig, que já foi líder absoluta no mercado, em janeiro estava reduzida a uma participação de mercado de 30,35%, que caiu, em maio, a 26,87%. E isso está ocorrendo num mercado em que o número de passageiros aumenta à razão de 12% ao ano. Com a recuperação judicial, ficam suspensas por 180 dias todas as cobranças de dívidas assumidas pela Varig, inclusive os débitos com a Infraero (taxas aeroportuárias) e a BR Distribuidora (combustíveis), mas não a dívida fiscal. A Varig tem um passivo total de R$ 9,2 bilhões e em 2004 teve um prejuízo de R$ 87,2 milhões. O maior credor é o governo, com 65% da dívida total. O programa de recuperação da empresa, portanto, só será viável se o governo, entre todos os credores, encontrar meios legais para postergar e diluir em prazo longo a cobrança do que lhe é devido.