Título: Veleiro espacial começa aventura
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/06/2005, Vida&, p. A17

Iniciativa privada lança hoje a espaçonave Cosmos 1, projetada para usar a energia solar captada por lâminas gigantes

Há décadas, teóricos e futuristas imaginam um "veleiro espacial" que viaje pelo Sistema Solar como um barco no mar, aproveitando o vento solar para se movimentar. A idéia finalmente evoluiu em um protótipo, o Cosmos 1, cujo lançamento é previsto para hoje a partir de um submarino russo no Mar de Barents, no norte da Europa. O projeto de US$ 4 milhões é totalmente bancado pela iniciativa privada: o dinheiro veio da Sociedade Planetária, organização com 80 mil membros que reúne cientistas e amantes da astronomia. Da concepção à realização, tudo ocorre à margem das poderosas agências espaciais Nasa (americana) e ESA (européia). "Nenhum outro grupo interessado no espaço construiu esse tipo de aeronave e a enviou para o espaço", disse Louis D. Friedman, diretor-executivo da sociedade. "É extremamente gratificante. Se funcionar, será ainda melhor." Friedman foi diretor da equipe que estudou sondas movidas a vento solar dentro da Nasa na década de 1970. Ainda que seja um valor baixo se comparado ao da maioria dos planos espaciais oficiais, o montante ainda é alto para um grupo de lobistas. Então, outros projetos relacionados - como um documentário - podem engrossar o orçamento. Ainda assim, o grupo permanece dentro do gasto previsto. "Podemos fazer história pelo preço de um apartamento em Nova York", afirmou Ann Druyan, viúva do astrônomo americano Carl Sagan, grande incentivador dos "veleiros espaciais". Há uma mudança dentro dos planos originais. Não será o vento solar - partículas ionizadas emitidas pelo Sol - que movimentará o aparato, mas fótons, "pacotes" fundamentais de energia que formam as ondas eletromagnéticas e se movimentam pelo espaço na velocidade da luz. A equipe de idealizadores do Cosmos 1 espera que fluxos constantes de fótons atinjam as velas, oito lâminas feitas de um material reflexivo especial chamado mylar. Apesar de os fótons não terem massa, eles carregam uma pequena quantidade de energia que será transferida para as velas. Cada ação provoca uma reação, dizia o cientista Isaac Newton; então o contato do fóton empurrará todo o aparato para a frente. Como no vácuo não há fricção, o Cosmos 1 pode em teoria seguir adiante a uma velocidade que sobe progressivamente sem usar combustíveis - o que permitiria sua utilização em viagens de longa duração pelo espaço.

DEVAGAR E SEMPRE

A "longa duração" também pode ser aplicada ao tempo que o "veleiro" levaria para atingir uma velocidade minimamente adequada para ser usado em missões espaciais. Em princípio, ele não vai se movimentar com mais do que um milésimo da força gravitacional - nessa velocidade, demoraria dois anos para alcançar a Lua, por exemplo. Porém, Friedman não parece se importar com o obstáculo. "Ficarei feliz com qualquer resultado", diz. "Queremos provar que é possível, que podemos aumentar a energia em órbita e ir além." Projetos futuros da sociedade prevêem a inclusão de uma fonte de laser que possa operar continuamente junto às velas, aumentando gradativamente a velocidade a ponto de se livrar da gravidade da Terra. As velas serão abertas lentamente, ao longo de quatro dias, para evitar o vazamento de oxigênio. A equipe espera que o "veleiro" permaneça na órbita por três ou quatro semanas. Os testes de movimentação serão feitos apenas após os cientistas terem confiança nos sistemas de controle e estabilidade. Viagens espaciais com freqüência são comparadas a passeios marítimos, mas até agora a maioria dos aparelhos enviados para o espaço lembra mais veículos motorizados - como os ônibus espaciais americanos - do que navios que se movimentam com suavidade. O Cosmos 1 não apenas cumpre essa imagem romântica das viagens espaciais (não à toa um dos fundadores da sociedade foi justamente Sagan, autor de diversos livros de divulgação científica como Contato, que virou filme em Hollywood) como pretende aproximar a tecnologia dos terrestres comuns. Com 30 metros de diâmetro, ele será um dos maiores instrumentos a orbitar o planeta, a 850 quilômetros, e poderá ser visto com telescópios amadores. O Cosmos 1 completará uma volta completa em torno da Terra a cada 100 minutos.

MÚLTIPLAS MÃOS O veleiro foi construído pela empresa Lavochkin Association, principal fabricante de foguetes na Rússia. Toda o esqueleto eletrônico ficou a cargo do Instituto de Pesquisa Espacial da Academia Russa de Ciências. "A grande incerteza é se tudo vai funcionar (em conjunto)", diz Friedman. "Usamos modelos de computador, mas não há maneira de simular como a estrutura vai se estabilizar no espaço. Ela pode virar e vibrar e sacudir." A ansiedade também se justifica pelo fracasso de uma tentativa feita em 2001, quando um vôo suborbital falhou. O cientista acredita que o problema - uma falha no computador de bordo - foi resolvido, mas "você sempre fica nervoso". O uso de um míssil para colocar o Cosmos 1 em órbita surgiu em 1999, quando Viacheslav "Slava" Linkin, antigo diretor do Laboratório de Ciência Planetária da Rússia para missões em Marte, procurou Friedman. Seria uma maneira de injetar dólares americanos em um programa espacial em frangalhos. A viúva de Sagan ainda se mostra surpresa com a possibilidade: "Estamos usando uma arma real de destruição em massa como um meio de levar a luz para as estrelas."