Título: Sabatinando o ministro
Autor: Patrícia Villalba
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2005, Caderno 2, p. D3

Lobão, cantor e compositor - Qual é a posição do MinC em relação ao jabá, o mensalão da música, cobrado nas rádios? Precisa ser ressalvado aqui o fato de que vem sendo praticado nos últimos tempos o que eles chamam de "promoção musical", através das verbas de promoção. São absolutamente legítimas, pagamentos pela execução, feitos legitimamente. Uma coisa que poderia ser feita para proteger os setores desprotegidos, aqueles que não têm dinheiro para pagar ou que não são contemplados por esse mercado da radiofonia, é entre outras políticas, criar cotas de repertórios marginais.

Leona Cavalli, atriz - O que mudou na cultura na sua gestão?

É muito vasto. Conseguimos sensível melhoria na atuação da Funarte e a Secretaria de Articulação está implantando o Sistema Nacional de Cultura. No audiovisual, apoiamos 90 festivais, fizemos o projeto DOC-TV e Revelando os Brasis é um projeto interessantíssimo de estímulo a criatividade e de talentos locais, de municípios com menos de 20 mil habitantes. Também assinamos acordos de cooperação audiovisual com a Alemanha, Argentina, Austrália, Espanha e França. Temos mais de 200 Pontos de Cultura, instalados ou em fase de instalação. E também o Ano Brasil na França, com pelo menos R$ 30 milhões investidos em projetos que contemplam todas as áreas. Há ainda a criação do Centro Internacional de Indústrias Criativas que está sendo objeto de uma mobilização ampla no mundo inteiro. Pode não parecer nada, mas é muita coisa.

João Marcello Bôscoli, produtor musical - Como o sr. acha que será o mercado de música no futuro?

O mercado de música é extraordinariamente dinâmico. Agora, as gravadoras e editoras estão mobilizadas para abastecer essa interface nova, da música com a telefonia, os ringtones. Isso sem falar no MP3. O que nos traz questões sobre os novos modelos de negócio. E, por outro lado, questões políticas de educação e inclusão, no campo digital. Há toda situação socioeconômica que reflete na questão da música como mercado. Quanto mais acesso aos computadores e à banda larga, mais você terá um país amplamente ligado, acessível e acessado. O futuro aponta para isso.

Sandra Perez e Paulo Tatit, músicos da Palavra Cantada - Considerando que vivemos numa cultura essencialmente urbana, moderna e fortemente influenciada pela cultura americana, como se explica o número cada vez maior de grupos tão tradicionais, de congadas, maracatu, capoeira, etc.?

É tudo duas mãos. É globalização e localização. Local é palavra. Quanto mais cresce a globalização, cresce a dimensão local, que fica mais abastecida de novos meios e técnicas de comunicação. Então, o local pode aparecer fortemente com o global.

Rappin Hood, rapper - Você vê paralelo entre o que foi a Tropicália e o que é hip hop hoje, como movimentos revolucionários?

A gente pode dizer que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Mas a gente pode dizer também que uma coisa é a mesma coisa, outra coisa é a mesma coisa. A Tropicália abordou a inversão e tradição, tomando partido pela inversão, tentando deslocar a tradição para que ela viesse correr em leitos abertos pela inovação. Com outras abordagens ou usando ainda residuais lingüísticos da época do tropicalismo, o hip hop vem retrabalhando essas coisas.

Moacyr Scliar, escritor - Qual é a herança do tropicalismo?

O tropicalismo foi o último movimento moderno e o primeiro movimento pós-moderno. Ele tratava de alavancar uma complementação de modernização da vida cultural brasileira, mas já operava no plano da fragmentação. 'O tempo explode e as migalhas caem todas sobre Copacabana', fechando a Semana de 22 e abrindo a Semana de 2022.

Yacoff Sarkovas, consultor de patrocínio empresarial - A chamada retomada do cinema brasileiro é financiada pela Lei do Audiovisual, que permite ao menos 124% de dedução fiscal. Por que o Ministério da Cultura mantém um instrumento de financiamento público tão perdulário, injusto e ineficaz?

Porque ainda não se conseguiu dispor de outro. Claro que há uma perversão da lei, mas descontinuá-la subitamente provocaria um colapso na produção. Portanto, achamos que há margem de correção nesse mecanismo. Eu prefiro assim. Outro ministro poderia chegar a simplesmente acabar com a lei. O Sarkovas tem toda a razão. Mas Roma não se fez em um dia e não sou eu que vou fazer.

Fernando Meirelles, cineasta - Quando o sr. vai lançar um novo disco?

Vai ser um disco de samba. Tenho pelo menos oito sambas escolhidos, que eu venho cultivando em casa. Estou tratando disso, à la João Gilberto. Quando eu vou gravá-los, não sei. Tem um samba novo, A Máquina de Ritmo, e deve ter outros.

Fernanda Young, escritora - Sendo um homem tão íntegro, o senhor não se sente em nenhum momento constrangido em participar da "instituição governo", que muitas vezes nos parece tão patética?

Fernanda, a minha integridade é feita de dois. Sou filho de uma mãe e de um pai, as energias da minha vida são produzidas por um sol e uma lua, eu vivo a minha vida nas minhas noites e nos meus dias, tenho ao meu redor o bem e o mal e tenho dentro de mim o bem e o mal. Além do mais eu aprendi na cartilha da tolerância, no dar a outra face. O meu mandamento principal é o não julgueis. Então, eu não julgo. Vou para o meio dos políticos, dos empresários e dos poetas e trato todos de maneira igual. Escolhi ser assim.

Roberto Farias, cineasta - O cinema nacional precisa de mais recursos ou é necessário aplicá-los melhor?

As duas coisas. Quanto mais você aplica, maior a produtividade. Agora, vamos argumentar que o cinema sempre será uma área frágil e desprotegida e que o governo terá de tratá-lo com privilégios. Tudo bem. Mas sem a perspectiva de que a criança vá andar com as suas próprias pernas, enquanto George Lucas está por aí fazendo US$ 2 bilhões com cinema bom? O Brasil precisa de uma indústria criativa de cinema. Se os cineastas não acham isso, problema deles.

Zé Celso Martinez Corrêa, dramaturgo - O Grupo Silvio Santos deve iniciar as obras de seu shopping, o que vai impedir o Teatro Oficina de seguir com Os Sertões. Aguardamos o tombamento do prédio pelo Iphan. Na urgência da situação, o ministro entraria em cena?

O ministério já vem ajudando muito. O Iphan está colado no Zé Celso há um ano e meio tentando garantir seu espaço. Mas é evidente que eu posso intermediar esse diálogo, até porque são duas pessoas que eu prezo. A última vez que estive com o Silvio Santos ele me deu um beijo na boca.