Título: Voto distrital ¿ dia do leitor
Autor: Roberto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2005, Espaço Aberto, p. A2

Um dos privilégios de escrever neste espaço é a oportunidade de dialogar com leitores, que com suas mensagens ou contatos pessoais apresentam críticas e sugestões e contribuem para aprimorar nossas idéias. Ou mesmo para esquecê-las. Entre as últimas mensagens, uma se destacou por adicionar um importante argumento a mais à minha insistente defesa do voto distrital, tema ao qual voltei no artigo da semana passada (Reforma do mercado político, 16/6). Isto em face da perspectiva de uma reforma política que pretende manter o corrompido, corruptor e descontrolado sistema proporcional.

Essa perspectiva não surpreende, pois os deputados e vereadores que estão aí são eleitos por esse sistema, não demonstrando maior interesse por sua reforma. Se aprovado, o voto distrital poria em risco a reeleição de muitos parlamentares, bem como a irresponsabilidade com que exercem seus mandatos, sem prestar conta de seus serviços aos cidadãos e sem serem diretamente cobrados por estes pelo que estão a fazer. Ou a aprontar.

Assim, sem que a sociedade reaja contra o sistema atual ¿ no caso desses parlamentares, venho pregando também o voto nulo ou em branco com esse objetivo ¿ ele não será reformado e o País continuará sem um sistema mais adequado de representação no Legislativo. O que as revelações do deputado Roberto Jefferson mostram é que essa representação é ágil e tem um bom motor, o mesmo não se podendo dizer do combustível de interesses que a movimenta, nem dos seus mecanismos de frenagem e direcionamento.

São vários os argumentos que usualmente arrolamos em defesa do voto distrital. Ele limitaria o número de candidatos a escolher a um por partido ou coligação, tal como nas eleições para o Executivo. Isto ao contrário do sistema proporcional, em que o eleitor escolhe, sem refletir muito, um entre centenas de candidatos sobre os quais não dispõe de maiores informações, em particular por não ser possível confrontá-los uns com os outros no embate eleitoral.

Além disso, hoje, ao se optar por um candidato, pode-se eleger outro, até um indesejável, pois o voto dado aos perdedores engrossa os dos partidos ou coligações, cujos mais votados são os eleitos. Ademais, sem vínculo com os cidadãos do espaço bem mais limitado de um distrito, é comum um eleito pelo voto proporcional privilegiar a representação de quem votou nele em todo o Estado, como uma categoria profissional ou um grupo religioso, marginalizando os que votaram em candidatos não eleitos.

Outros argumentos poderiam ser listados, como o de que num distrito a fiscalização da Justiça Eleitoral quanto à origem e ao uso de fundos de campanha teria condições de ser mais eficaz. Na dimensão estadual, atual, é muito mais difícil avaliar gastos eleitorais além dos oficialmente declarados dentro dos limites legais, o que seria uma primeira indicação de financiamento irregular.

O leitor João Bosco de Lima Cardoso, de Juiz de Fora (MG), cujo endereço eletrônico é fiel à origem, pois remete ao servidor Uai, adiciona: ¿... todo deputado tem sua base eleitoral, e é dali que acumula votos, que, somados aos amealhados aqui e ali, lhe garantem a eleição final; a tendência natural desse deputado é defender a cidade (ou região) dita como seu reduto eleitoral; sabemos que cidades (e regiões) competem entre si, seja por verbas, por estradas, por instalação de empresas, enfim, disputam entre si melhoramentos, num mercado em que naturalmente as necessidades são sempre muito maiores que as disponibilidades financeiras para atendê-las.

... Diante das múltiplas opções de candidatos, o eleitor faz sua opção pelo candidato x do partido y, como o mais capaz de atender aos anseios de sua comunidade, como o bastante e capaz de defender os interesses de sua cidade/região nas ocasiões de conflito de interesses entre a sua e outras...

l Então, o que com freqüência ocorre? Aquele seu candidato é convidado para assumir... (um cargo no Executivo) ..., e aí seu suplente assume seu posto...; esse suplente tem seu reduto em outra cidade, outra região, e é na defesa dos interesses destas que vai empreender todos os seus esforços, com freqüência em detrimento das... que elegeram o deputado que se afastou...; Houvesse o voto distrital, no eventual afastamento do deputado..., seu lugar seria ocupado por um outro, também egresso do mesmo distrito, então a representatividade desse distrito continuaria preservada.¿

O leitor tem razão, uai! Ele explicita outra situação em que o eleitor vê prejudicada a representação do voto proporcional. Como corolário, há mais um aspecto que o voto distrital contribuiria para corrigir. É preciso limitar essa ocorrência comum de situações em que um parlamentar aceita logo um cargo no Executivo, ao primeiro estalar de dedos de um chamamento nessa direção. Mesmo com um suplente local, no voto distrital os cidadãos poderiam sentir-se logrados com a troca, com reflexos numa reeleição futura do titular, um tema que, aliás, seria ventilado na própria campanha eleitoral, tal como hoje nas eleições para o Poder Executivo. Veja-se, por exemplo, o compromisso assumido pelo prefeito de São Paulo, José Serra, de não deixar o cargo para ser candidato nas eleições do próximo ano.

Como outro exemplo, o governo do presidente Lula está cheio de parlamentares que optaram por cargos no Executivo, dando lugar a suplentes, sem nenhuma satisfação ao eleitor. O que mais uma vez demonstra que ser ou não ser um representante fiel é claramente uma questão de segunda ou terceira ordem nessa farsa eleitoral que segue o roteiro do voto proporcional.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), é pesquisador da Fipe-USP e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: roberto@macedo.com