Título: Discurso agrava crise
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2005, NOTAS & INFORMAÇÕES, p. A3

A história se repete ¿ e só resta esperar que não acabe nem em farsa, nem em tragédia, para citar o dito clássico. No sábado, enquanto o presidente do PT, José Genoino, proclamava que ¿o Brasil está diante de uma grande mentira¿, o secretário-geral do seu partido, Sílvio Pereira, dizia que ele e o tesoureiro Delúbio Soares, também acusado pelo deputado Roberto Jefferson de envolvimento no caso do ¿mensalão¿, agiram ¿em nome do PT¿, ficando por conta de cada qual imaginar o que pudessem ter sido essas ações. Três dias depois, enquanto o presidente Lula reivindicava o título de campeão brasileiro da moralidade pública ¿ ¿ninguém tem mais autoridade ética do que eu¿ ¿ para justificar que o governo não pode ¿ficar correndo atrás de denúncia vazia¿ ou ¿da quantidade de bobagens que se fala por aí¿, dois depoimentos robusteceram a impressão de que as denúncias podem ser tudo menos vazias e que bobagem, para dizer o menos, é tentar abafá-las a golpes de discurseira.

Depondo na CPI, o ex-diretor dos Correios Maurício Marinho afirmou que os diretores de Operações e de Tecnologia da estatal, que concentram o maior volume de recursos ali movimentados, foram escolhidos por Sílvio Pereira. E, mais grave ainda, Fernanda Karina Ramos Somaggio, a ex-secretária do publicitário preferencial dos petistas, Marcos Valério Fernandes de Souza, assumiu as revelações que desmentira, porque a sua família teria sido ameaçada. As revelações de Fernanda não deixam pedra sobre pedra a respeito das peculiares transações financeiras, em cash e malas, de seu ex-patrão com a dupla Sílvio e Delúbio. Também o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha tinha relações ¿estreitas¿ com Marcos Valério e ¿conversava muito¿ com o então ministro José Dirceu. Ela contou ainda que, antes de sair o resultado de uma licitação nos Correios, a festa para a empresa vencedora já estava pronta, ¿regada a Moët & Chandon¿. Outra bobagem?

É evidente que nada disso, salvo prova irrefutável em contrário, fere a honorabilidade pessoal do presidente Lula. Mas o seu improviso ¿ recheado, como de hábito, de um rosário de bobagens ¿ de nada serve como atestado de inocência de qualquer de seus companheiros mencionados nas denúncias, a começar, evidentemente, do deputado José Dirceu, que deixou o Planalto 48 horas depois de Jefferson instá-lo a se demitir, para não transformar o presidente em réu ¿ sem falar no fato de os altos burocratas petistas agora sob suspeita terem feito do Planalto um anexo de seus escritórios no partido.

Além disso, a fala do presidente agrava a crise. Para dar o seu recado, ele escolheu um congresso de uma entidade de cooperativas de agricultura familiar, tendo na platéia os presidentes da CUT e da Contag. As três entidades entram na categoria dos 43 ¿movimentos sociais¿ conclamados por Dirceu no fim da semana para saírem em defesa do governo supostamente ameaçado por uma conspiração das elites. Na sua versão mais branda, essa imaginária conspirata quer ¿antecipar o debate eleitoral¿ de 2006.

Foi o que Lula disse aos cooperados: ¿Os que torciam para que o governo fosse um desastre já estão com medo da reeleição.¿ Novamente, buscou tomar distância do ¿mensalão¿, dizendo tratar-se de ¿um problema do Congresso¿, lembrando de imediato o que o ministro Aldo Rebelo foi incumbido de dizer depois da primeira entrevista de Jefferson ¿ isso diz respeito às relações entre os partidos, como se um deles não tivesse sido fundado por Lula, e como se ele e o PT estivessem brigados.

O presidente finge ainda ignorar duas realidades. Em primeiro lugar, a crise começou com um vídeo gravado pela Abin ¿ segundo Jefferson, em cumplicidade com Dirceu, que desejaria se vingar dele por ter levado a história do mensalão a Lula. O caso dos Correios envolve os partidos da base aliada que ficaram com os lotes em que a empresa foi fatiada. Nem o Congresso, muito menos a oposição, alegadamente temerosa da reeleição do presidente, têm algo com isso.

Em segundo lugar, quando arrolou as sucessivas operações de combate à corrupção da Polícia Federal, no seu mandato, omitiu que ela até hoje não terminou de apurar o Waldogate. E que o governo não desistiu de abafar a história do assassínio do prefeito petista de Santo André, Celso Daniel. ¿Não sabem com quem estão lidando¿, ameaçou Lula em dado momento de seu discurso. E ele saberá com o que está lidando?