Título: As metas de inflação
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2005, Notas & Informações, p. A3

O Conselho Monetário Nacional (CMN) deve definir na reunião de hoje as metas de inflação para 2006 e 2007. O mais provável é que mantenha 4,5% para o próximo ano e fixe o mesmo valor para o ano seguinte, de acordo com as informações conhecidas até ontem. Se a decisão confirmar essas previsões, o governo enviará à sociedade a mensagem mais sensata que poderia mandar neste momento contra o conselho de vários aliados, entre os quais o seu líder no Senado, Aloizio Mercadante. Com essa mensagem, o governo informará, em primeiro lugar, que a política antiinflacionária rigorosamente será mantida, apesar das pressões que possam ocorrer num ano de eleições. Indicará, além disso, que a política do Banco Central (BC) vai ser calibrada para 24 meses. Sem ser leniente, a autoridade monetária terá mais tempo para enfrentar as dificuldades que possam surgir.

Esse compromisso será reiterado num momento especialmente propício. A inflação estimada para este ano continua acima dos 5,1% fixados pelo governo como objetivo central, mas a tendência, de acordo com as avaliações do mercado financeiro, é de redução. Estimava-se, há um mês, que a alta do IPCA acumulada em 2005 ficaria em 6,38%. A projeção coletada na última sexta-feira mostrou um recuo para 6,16%. Nenhum técnico de futebol seria perdoado se decidisse afrouxar um jogo difícil no momento em que a vitória começa a delinear-se. Os vários indicadores de inflação, calculados tanto pelo governo quanto por instituições independentes, mostram que os preços tendem a acomodar-se, depois de meses de fortes pressões.

O reconhecimento dessa virada aparece nas estimativas de médio prazo do mercado financeiro. Para os próximos 12 meses, o índice calculado é 5,07%. Para 2006, é o mesmo estimado nas últimas 57 semanas, 5%, muito próximo, portanto, do alvo oficial de 4,5%, se este índice, como indicam várias fontes, for mesmo mantido. Mesmo que o resultado final do próximo ano fique pouco acima da meta, o BC provavelmente conseguirá um resultado melhor que o deste ano. No mínimo, poderá manter o desempenho observado até aqui.

A turbulência financeira e cambial de 2002, provocada pela especulação da fase eleitoral, levou a inflação, naquele ano, a 12,53%. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou seu governo com medidas fortes contra a alta de preços. Mesmo sem autonomia definida em lei, o BC desfrutou de suficiente independência operacional para agir com severidade. Pode ter sido uma decepção para boa parte dos aliados do governo, mas os resultados são indiscutíveis.

Em 2003, a alta do IPCA ficou em 9,3%. Em 2004, o índice de aumento foi reduzido para 7,6%, ainda acima do ponto central, mas dentro da margem de tolerância. Nova diminuição está ocorrendo neste ano, e mais uma vez a inflação deverá cair, embora sem atingir a meta.

O CMN tem pelo menos um par de razões muito fortes para não elevar a meta de inflação e é razoável esperar que não adote um comportamento mais leniente. A primeira razão é que a inflação brasileira, embora declinante, ainda é alta pelos padrões internacionais. Se o País pretende ser competitivo, é por esses padrões que as autoridades devem orientar sua política.

A segunda razão é que a mudança da meta, a não ser em caso de um choque muito forte, seria entendida por todo o setor privado ¿ empresas, sistema financeiro, consumidores e sindicatos ¿ como um tiro de largada para reajustes maiores de preços e de salários. Quando a meta se desloca para cima, as expectativas também se elevam e o jogo passa a desenrolar-se num terreno menos favorável à política antiinflacionária. O resultado, em pouco tempo, é um maior acúmulo de pressões, que a autoridade só pode combater com nova elevação de juros.

Não é pelo afrouxamento da meta de inflação que se pode reduzir o juro básico da economia. É pelo efetivo combate à inflação, tanto mais eficiente e menos dependente de juros altos quanto mais firme o controle dos gastos públicos. Esse é o roteiro para o combate à inflação com juros mais baixos.