Título: 'Sucessor de Arafat não se impõe sobre a Fatah'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2005, Internacional, p. A16

As disputas internas na Fatah, a facção no governo da Autoridade Palestina (AP), são o principal problema, no momento, do presidente palestino, Mahmud Abbas, na avaliação do escritor e jornalista israelense Danny Rubinstein. Há 15 anos ele cobre o conflito para o diário Haaretz, de Israel. Rubinstein é autor de The Mistery of Arafat, prestigiada biografia do líder palestino, e é membro do conselho diretor da B'Tselem, entidade israelense de defesa dos direitos humanos nos territórios ocupados por Israel. Nesta entrevista ao Estado ele analisa as principais dificuldades de Abbas. Os grupos palestinos se comprometeram com Abbas a acatar a trégua, mas continuam atacando. O que está por trás disso? As divisões internas na Fatah são a principal razão para o cessar-fogo não ser tão sólido. A Fatah está enfraquecida, enquanto o Hamas se tornou muito forte, especialmente agora que venceu eleições municipais em várias cidades na Faixa da Gaza e na Cisjordânia. É uma luta de poder pelo controle do aparelho de segurança da Autoridade Palestina, que fez surgir grupos armados atuando como máfias. Isso acontece porque não há um líder forte na Fatah. Yasser Arafat se impunha sobre a facção, mas Abu Mazen (nome pelo qual Abbas é conhecido), não. Mas várias milícias na Fatah, como as Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, se fortaleceram durante a presidência de Arafat . É verdade, mas depois da morte de Arafat, a situação piorou. Membros das Brigadas querem ser incorporados às forças da AP. Mas querem bons empregos, patentes de oficiais. E Abbas não quer ceder nesse ponto. O caos na segurança também é grande porque o sistema legal não funciona. A necessidade de um poder forte está relacionada só à fraqueza das instituições ou é também uma questão cultural do mundo árabe? Muitos analistas políticos enfatizam que nas sociedades árabes há a expectativa de um homem forte. A questão é que a Autoridade Palestina está muito fraca. Durante a intifada, Israel fez várias incursões nos territórios, destruiu a infra-estrutura da segurança, assassinou líderes de grupos palestinos. Hoje a AP não tem condições de governar. O Hamas e outros grupos, então, se aproveitam para atacar... No plano ideológico, o fato é que o Hamas não reconhece a existência de Israel. Mas se comprometeu com a trégua e, de modo geral, a está respeitando. Acontece que Israel tem como política perseguir militantes envolvidos em ataques, por considerar isso necessário a sua defesa. E o Hamas tem como princípio retaliar sempre. No plano político, o Hamas se fortalece porque combate a ampla corrupção na AP . Agora que governa cidades e tem de atender às demandas da população, o Hamas pode vir a aceitar a existência de Israel? Acredito que sim. O grupo acabará por aceitar Israel. Sharon elaborou o plano de retirada da Faixa de Gaza e tem como meta manter Jerusalém Oriental e anexar grandes colônias na Cisjordânia. Depois que deixar Gaza e concluir a barreira/muro na Cisjordânia, poderá ter menos motivos para buscar um plano de paz. É certo que ele quer incorporar a Israel os grandes blocos de colônias. E também não abre mão de Jerusalém. Mas sabe o que eu acho que vai acontecer depois da retirada de Gaza e da conclusão da barreira? Dentro de alguns meses começará a terceira intifada. E desta vez será com foguetes que os militantes lançarão por cima do muro .