Título: A única agenda positiva
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2005, Notas & Informações, p. A3

No encontro com o presidente Lula, a que o levou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, na segunda-feira à noite, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, ouviu de seu anfitrião, entre uma queixa e outra sobre as suas dificuldades: ¿Quero tudo em pratos limpos.¿ Lula já deve ter perdido a conta de quantas vezes disse isso ou coisa parecida desde que irromperam as denúncias de corrupção no governo e no relacionamento do PT com os outros partidos da base aliada. E a sociedade já tem motivos para perder a paciência não só com os chavões do presidente, mas sobretudo com a distância abissal entre as suas exibições de desassombro verbal e as ações concretas dos parlamentares do seu partido para esconder os pratos sujos.

Tanto na CPI mista do Congresso como no Conselho de Ética da Câmara, a conduta dos representantes governistas se orienta claramente pela intenção de atrapalhar as apurações. Na Comissão, passando por um episódio que por pouco não termina em baixaria, envolvendo o deputado petista Maurício Rands e a senadora ex-petista Heloísa Helena, o PT conseguiu impedir a antecipação, da semana que vem para ontem, do depoimento do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, o mais do que provável ¿homem da mala¿ do esquema de suborno de políticos denunciado pelo deputado Roberto Jefferson. E, no Conselho, as intervenções dos deputados do PT ao longo do depoimento da ex-secretária de Marcos Valério Fernanda Karina Somaggio tinham o evidente propósito de desqualificá-la.

Eles sabem o que fazem ¿ e não é crível que o presidente da República não saiba que o que fazem é tudo, menos limpar pratos.

De fato, a CPI que nasceu (porque o governo não conseguiu abortá-la) como uma investigação sobre cobrança de propinas nos Correios e eventualmente em outras estatais logo se transformou, pela força das coisas, em CPI de Jefferson ¿ e agora em CPI de Valério. Há poucas dúvidas de que ele, mais do que ninguém, é a figura cujas atividades e teias de lucrativas relações no PT e no governo, quando expostas à luz do dia, permitirão ligar os pontos no intrincado mapa da corrupção federal.

No fim da semana passada, a imprensa comprovou, com base em dados do Conselho de Controle das Atividades Financeiras, o que Fernanda Karina vinha dizendo, de forma genérica, sobre seu ex-patrão.

Entre julho de 2003 e maio de 2005, ele sacou, em dinheiro, um total de R$ 20,9 milhões. Quase 3/5 dessa dinheirama entre setembro e março de 2004, no auge do troca-troca de partidos promovido na Câmara pelo então ministro José Dirceu e dos acertos para a definição de candidaturas às eleições municipais. E ontem se comprovou, com base na agenda de Fernanda entregue à Polícia Federal, que datas dos saques coincidiam com as das reservas em um hotel de Brasília para o chefe e, ao menos em um caso, para a sua gerente-financeira Simone Vasconcelos. Ao Conselho de Ética, Fernanda disse que ela relatou que ficava em um quarto de hotel, o dia todo: ¿Era um entra-e-sai de homem (...). Só contava dinheiro e passava para essas pessoas.¿

As fontes primárias da bolada ainda são desconhecidas. Mas é significativo que no ano passado a Receita tenha multado uma das agências de Valério, a DNA, em R$ 63,2 milhões por receber, em sua conta no Banco do Brasil, depósitos de origem não comprovada e por movimentar recursos muito superiores ao faturamento declarado. Em suma, tudo que servir para não manter o foco da apuração no publicitário ¿amigo do peito¿ do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e do secretário-geral Sílvio Pereira, é abafa ou diversionismo, o que vem a dar no mesmo. É o caso da transparente jogada petista para criar na Câmara uma CPI do ¿mensalão¿, que investigaria também ¿ a esta altura ¿ compras de votos em 1997, quando o Congresso aprovou a emenda da reeleição.

Diante disso, o presidente Lula deve entender que esgotou a sua cota de juras de não deixar ¿pedra sobre pedra¿ em busca da verdade, enquanto o PT trata de fazer o contrário. Ou ele manda já o partido mudar de atitude ¿ publicamente ¿, ou será tido como cúmplice, quando não mentor, do ocultamento das evidências de podridão. Ao governador Aécio, Lula defendeu uma ¿agenda positiva¿. Ele que não se iluda: a única agenda positiva, hoje, é a do esclarecimento cabal das falcatruas denunciadas, com a identificação e punição dos seus responsáveis últimos.