Título: Um mês de greve
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2005, Notas & Informações, p. A3

A greve dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) completa hoje seu primeiro mês e nada indica que seu fim esteja próximo. Por estarem na lista dos demissíveis na reforma ministerial, os três ministros diretamente responsáveis pela área ¿ Romero Jucá (Previdência), Ricardo Berzoini (Trabalho) e Humberto Costa (Saúde) ¿ já não são mais considerados interlocutores válidos, pelos grevistas. E, como até hoje as greves no âmbito do setor público não foram regulamentadas, os servidores podem dar-se ao luxo de cruzar os braços indefinidamente, pois é remota a possibilidade de terem os dias descontados. O único risco que correm é ter de ¿compensar¿ os dias parados, quando o protesto acabar.

Desde que a greve começou, mais de 826 mil segurados já ficaram sem atendimento só no Estado de São Paulo. Das 164 agências do INSS no Estado, 90 estão paralisadas, o que comprometeu a continuidade do pagamento de benefícios como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, dos quais idosos, viúvas, órfãos e pessoas impossibilitadas de trabalhar dependem para sobreviver.

Enquanto o governo reservou no orçamento verba apenas suficiente para um aumento simbólico de 0,1% a todos os servidores civis da União, os grevistas continuam pleiteando 18,8%, a título de reposição de perdas. Segundo o ministro do Planejamento, além do governo não dispor de recursos para atender à reivindicação esta é improcedente, pois no ano passado a corporação já recebeu um reajuste médio de 40%. Concedido sob a justificativa de reduzir a diferença entre o piso e o teto salarial no âmbito do INSS, esse reajuste elevou a folha de pagamento da autarquia em R$ 10 bilhões.

¿Os servidores não podem alegar que não demos nada¿, afirmou Paulo Bernardo após o término da última reunião da Mesa Nacional de Negociação Permanente. Os grevistas não se abalam com essa argumentação e prometem que só retornarão ao trabalho quando o Ministério do Planejamento se comprometer a incluir no orçamento de 2006 os recursos necessários para assegurar o que as lideranças da corporação chamam de ¿conquistas do funcionalismo¿. Enquanto o governo e grevistas não se entendem, os segurados e pensionistas da autarquia continuam sendo desrespeitados em sua dignidade e em seus direitos. É com os lamentos dos milhares de necessitados dos serviços de previdência e de saúde que os grevistas pretendem chantagear as autoridades. Mas estas não se comovem.

Desde que a Constituição de 88 permitiu aos servidores fazer greve, nenhum governo teve a coragem necessária de enviar ao Congresso um projeto de lei regulamentando esse direito. Durante a paralisia dos agentes da Polícia Federal, em 2004, quando a categoria converteu passageiros dos aeroportos internacionais em reféns de seu protesto e tumultuou a programação de vôo das companhias aéreas, o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, prometeu tomar essa iniciativa. No entanto, talvez lembrando que o PT tem suas bases eleitorais entre os servidores públicos, ele capitulou diante das resistências corporativas e não cumpriu sua promessa.

É por isso que o funcionalismo até hoje permanece com o caminho livre para fazer dos contribuintes que os sustentam verdadeiros ¿escudos humanos¿, na expectativa de terem seus pleitos atendidos quanto maiores forem os transtornos e problemas que conseguirem acarretar para o maior número de pessoas. Trata-se de uma estratégia moralmente inaceitável na medida em que os grevistas que a empregam não correm qualquer risco, além do de não ter suas reivindicações atendidas. Saem prejudicados, apenas, os segmentos mais pobres da população e que mais dependem de serviços públicos.

Por isso, em vez de perder tempo com negociações inócuas com grevistas que nada têm a perder, pois seus salários são religiosamente depositados no final de mês, independentemente de sua assiduidade no trabalho, o governo deveria formular um projeto de lei regulamentando a greve no setor público, para acabar com os abusos corporativos que agridem os direitos mais elementares dos cidadãos brasileiros.