Título: 'PF não terá complacência com Delúbio'
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2005, Nacional, p. A7

O diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, garante que vai até o fim nas investigações sobre irregularidades nos Correios e denúncias de pagamento de mensalão a deputados. Segundo ele, a PF não começou a apurar as atividades do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, porque precisa respeitar os limites da legalidade. "Se tiver de surgir Delúbio, ele vai aparecer", afirma Lacerda, em entrevista ao Estado. "Não podemos instaurar um inquérito para ver quem é Delúbio. Não atuamos assim. Apuramos fatos, possíveis ilícitos. Não começamos uma investigação pela pessoa", explica o diretor da PF. "Agora ele pode sim vir a ser alvo das investigações. Não há problema nenhum. A PF não vai ter nenhuma complacência com Delúbio ou com quem quer que seja."

A PF já confirmou irregularidades nos Correios?

Temos uma situação que já foi ultrapassada, que era identificar os autores da gravação. Agora, entra na etapa de definir os possíveis crimes praticados em licitações. Para tanto, já temos alguns processos que a Controladoria-Geral da União vinha examinando. Basta checar como se deu a contratação dessas empresas para definir se houve algum tipo de irregularidade. Tudo indica que sim.

Há alguma limitação para apurar as atividades do publicitário Marcos Valério de Souza, apontado como operador do mensalão?

Durante o período em que estou aqui, não tive nenhuma insinuação de que deveríamos fazer diferente do que temos feito. Nesse caso também não. Não estamos autorizados a investigar parlamentares. Para isso, dependemos do Supremo Tribunal Federal. Mas já estamos com inquérito aberto para apurar o dinheiro de Valério. O que, se bem investigado, pode chegar ao mesmo sentido.

A análise de documentos contábeis já detectou alguma transação de Valério com gado?

Até agora não vimos nada. Mas ainda está se iniciando a investigação. Isso tudo é facilmente comprovável. Qualquer movimentação de recursos destinados à compra de qualquer produto, como no caso de animais, tem de ter os registros contábeis. A PF apreendeu com o contador, em Minas, registros das empresas de Valério. Não é difícil constatar se é verdade.

O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, foi citado no ano passado no caso dos "vampiros", que fraudavam licitações no Ministério da Saúde. Por que até hoje não se abriu uma investigação?

Delúbio, segundo soube, apareceu de passagem no caso dos vampiros. O volume de informações do caso gera até hoje novas investigações sobre inúmeras particularidades que no primeiro momento não foram examinadas. Se existe alguma coisa, o momento é este. As investigações estão aí. Se existir algum envolvimento desse senhor, ele vai surgir. Com a PF, o Ministério Público ou a CPI, mais a imprensa, não tem como ele escapar, se houver algo. É uma hipótese totalmente inadequada imaginar que a investigação vai esbarrar em algo. O presidente veio publicamente dizer o contrário. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dá apoio o tempo inteiro à PF.

Delúbio é alvo de investigação?

Não. A investigação tem de tomar algumas linhas. Por exemplo: Correios, um caso concreto. Valério, outro caso concreto. IRB, também. Se tiver de surgir Delúbio, ele vai aparecer nesses casos. Não podemos instaurar um inquérito simplesmente para ver quem é Delúbio. Não atuamos assim. Apuramos fatos, possíveis ilícitos. Não começamos uma investigação pela pessoa. Agora, ele pode sim vir a ser alvo das investigações. Não há problema nenhum. A PF não vai ter nenhuma complacência com Delúbio ou com quem quer que seja. A única coisa em que temos limitação são as limitações legais. Não podemos investigar parlamentar se não tivermos autorização do Supremo. Agora, outras pessoas que não tenham essa prerrogativa, se surgirem, pode ter certeza de que serão investigadas. Vale para Delúbio e Valério. Puxando o inquérito sobre Valério, com as quebras de sigilo, não tem como: se for verdade o que tem sido dito, vai aparecer. Não existe possibilidade de jogar para debaixo do pano.

Há indícios de que agências de publicidade eram usadas para lavar dinheiro do caixa 2 de partidos e pagar o mensalão?

Esse aspecto poderá começar a ser esclarecido a partir do inquérito sobre Valério. A partir daí, a gente já vai ter uma idéia. Primeiro, se existia aquele dinheiro, se existia atuação irregular dele. Não temos como partir para uma apuração geral. Você pode cometer injustiça. Vamos pegar quem? Qual é a agência que estaria cometendo irregularidade? Temos um caso concreto: é Valério. A partir daí, se nós notarmos que há esse envolvimento dos recursos dele com algum tipo de irregularidade, será motivo para investigar a questão do suprimento de dinheiro para o caixa 2 de partidos da base aliada, via agências de publicidade. A gente tem de partir passo a passo. Não podemos sair numa loucura buscando situações hipotéticas. Os órgãos de fiscalização e controle deverão fazer o mesmo que foi feito nos casos Correios e IRB: um pente-fino nos contratos de publicidade. Se verificarem irregularidade, vão mandar para a PF investigar. Em se tratando de licitações, os órgãos de fiscalização é que mandam para a PF todas as notícias que têm saído. Por exemplo: foi divulgado que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) detectou uma movimentação acima do normal. Isso motivou que o delegado buscasse lá essa informação. Não queremos nos omitir de nada, mas não podemos agir com insensatez.

Vai haver devassa nos contratos de publicidade do governo ?

Não haverá devassa em nenhum tipo de contrato, seja na área de publicidade ou de outros gastos. A administração pública tem sua relação negocial e não estamos apurando indiscriminadamente. A própria CPI tem um foco determinado. Temos de seguir as regras do estado democrático de direito. É fundamental até para termos credibilidade. Senão, do mesmo modo que podem dizer que estamos agindo a favor do governo, alguém do governo pode dizer que estamos agindo a serviço dos tucanos. Temos a preocupação de agir com isenção.