Título: Guerra por CPI da compra de votos invade madrugada
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2005, País, p. A9

Com a fundamental participação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), o Planalto, o PT e os partidos aliados do governo fizeram ontem uma manobra que pegou a oposição de surpresa e deu urgência para instalar uma CPI destinada a investigar as denúncias de compra de votos para a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de pagamento de mensalão a parlamentares aliados do governo atual. A manobra do governo consistiu em tirar da pauta da Câmara a medida provisória da Timemania, em edição extra do Diário Oficial, e outros projetos com urgência. Isso desobstruiu a pauta e permitiu a votação da urgência para a instalação da CPI da Compra de Votos.

Mas os governistas não instalaram a CPI. A oposição conseguiu obstruir a votação por cinco horas, com artifícios regimentais e apresentação de um requerimento atrás do outro. A partir da meia-noite, a MP que dá ao Ministério da Defesa crédito extraordinário de quase R$ 300 milhões, que retornou do Senado com mudanças, passou a ter prioridade na pauta. O projeto da CPI só voltará a ser apreciado depois que for votada a MP da Defesa.

Os partidos de oposição contam com o recesso, que oficialmente começa amanhã, para impedir a criação da CPI. Os governistas acreditam que haverá tempo. Com isso, o governo restringe a CPI do mensalão à Câmara, onde poderá ter controle total sobre seus trabalhos.

Afinal, deputados do PP e do PL são suspeitos de receber o mensalão. E o PSDB e o PFL poderiam não querer revolver feridas do passado. Se for aberta uma CPI com a participação de senadores, o governo poderia perder o controle sobre ela, porque não há notícia de que algum deles recebeu o mensalão.

"Isso é muito grave, porque mostra interferência direta do presidente da República na pauta da Câmara", atacou o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ). "É a aprovação da CPI do abafa", criticou Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). "Esta CPI está destinada a abafar os escândalos. Nada será investigado", reclamou o vice-líder do PSDB Mendes Thame (SP). "É um dia de muita vergonha para a política e para a Câmara, porque o governo subjugou o Poder Legislativo", completou Pauderney Avelino (PFL-AM). Pompeu de Mattos (PDT-RS) provocou: "Se gritar pega ladrão, muita gente vai tremer nesse plenário."

Para a oposição, fazer a CPI só na Câmara é condená-la ao fracasso, pedir que nada seja investigado. "Como é que parlamentares do PP e do PL, suspeitos de receber o mensalão, vão investigar a si próprios? É preciso que o Senado também participe", disse Avelino. "E ainda inventaram essa história de compra de votos para a reeleição. Essa investigação não vai para a frente", disse Rodrigo Maia.

Em princípio, a CPI investigaria apenas o mensalão. Mas os aliados juntaram ao requerimento denúncias de 97, quando foi aprovada a emenda que permitiu a reeleição de Fernando Henrique, governadores e prefeitos. Gravações indicaram na época compra do voto de parlamentares por R$ 200 mil cada.

"Não dá mais para ver a Câmara ser acusada de tudo, viver de cabeça baixa. Queremos apurar as denúncias de que parlamentares foram comprados. E investigar como se deu o processo da reeleição de FHC", argumentou Beto Albuquerque (PSB-RS), vice-líder do governo. "A Câmara não pode mais continuar a ser achincalhada."

O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), procurou isentar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Lula não tem nada a ver com isso." Mas ouviu de Raul Jungmann (PPS-PE) uma bronca: "O que houve foi uma falta de respeito do PT e do governo."