Título: Histórias de sucesso? A África tem
Autor: Eduardo Salgado e Angela Perez
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2005, Internacional, p. A19

Uma parte dos brasileiros que vai trabalhar e estudar na Europa ou nos EUA reclama que muitos europeus e americanos acham que os países da América do Sul são todos iguais, como se não houvesse diferença entre a indústria paulista e a de Quito, no Equador. Estudantes e profissionais africanos que vivem no Brasil têm o mesmo tipo de queixa. Dizem que para os brasileiros a África, um continente com uma área que equivale a três vezes e meia a do Brasil, seria uma região homogênea com uma eficiência sobre-humana para fazer tudo errado. Os Indicadores de Desenvolvimento Africano - 2005, um relatório de 403 páginas recheado de números, foi lançado ontem pelo Banco Mundial e ajuda a entender o que acontece na África ao sul do deserto do Saara, a região que enfrenta os maiores problemas. Na sua maioria, os dados são mesmo negativos. Entre 1981 e 2001, o número de africanos que vivem abaixo da linha da pobreza dobrou e chegou a 314 milhões. Mas o relatório também permite ver uma África que melhora e progride. As pequenas Ilhas Seychelles têm um expectativa de vida de 73 anos (maior que a do Brasil, de 71 anos), e um índice de alfabetização acima de 80%. A África do Sul, a maior economia do continente, é um dínamo industrial, que fabrica carros e produz softwares.

Talvez os casos mais interessantes sejam os de países que passaram por períodos de crise e estão dando a volta por cima. "Os países com baixo índice de corrupção, sem histórico de conflitos e pouca incidência de HIV (o vírus da aids ) são os que se saem melhor. Mas há exemplos de países que tiveram grandes recuperações", diz Tariq Khan, economista que participou do projeto do relatório.

O lançamento do relatório do Banco Mundial acontece uma semana antes da reunião do G-8, o clube dos países ricos mais a Rússia, em Gleneagles, na Escócia. A África é justamente um dos assuntos de destaque da reunião deste ano. Motivos para focar no continente não faltam. Na região ao sul do Saara, há 700 milhões de pessoas (quase quatro vezes a população brasileira). Metade delas sobrevive com US$ 0,65 por dia. Na África, estão 34 das 48 nações mais pobres do mundo. É justamente por isso que os exemplos positivos são importantes. Mostram que há uma caminho a seguir. Confira abaixo os destaques:

ECONOMIA

Ruanda está se recuperando do genocídio que vitimou 800 mil pessoas na década de 90. Isso é o que mostram os últimos dados disponíveis. Em 2003, o crescimento do PIB foi de 11,3%, maior que os 9,9% no ano anterior. O total de investimentos aumentou 12,5% no mesmo período, o que mostra a maior confiança dos investidores. A expectativa para os próximos anos é positiva já que o país está investindo pesadamente em educação.

EDUCAÇÃO

A Etiópia é destaque entre os países que tentaram aumentar o número de alunos do ensino secundário. Cerca de 77% de suas meninas e 82% de seus meninos completaram a escola primária e estão iniciando o nível secundário. No período entre 1998 e 2001, a porcentagem era de 54% entre as meninas e 62% entre os meninos. A Etiópia também tem o maior investimento em educação: 13,8% do total dos gastos públicos do período entre 1998 e 2000 e 4.6% do PIB.

SAÚDE - HIV/AIDS

Uganda é um dos países da África Subsaariana com uma história de forte comprometimento no combate à aids, que resultou na redução do índice médio de 18% de infectados pelo HIV em meados dos anos 90 para os atuais 6% em uma população de 24,7 milhões.

Apesar de ser um país pobre, que ainda está se recuperando de uma guerra civil, Uganda tornou-se um exemplo. O governo criou planos nacionais para controle e prevenção. Além disso, está ativamente promovendo parcerias privadas e públicas para aumentar a resposta ao problema da aids.

O Senegal, com um índice de 1,4% de infectados por HIV para uma população de mais de 9,2 milhões de pessoas, tem sido apontado como um exemplo de sucesso na história africana. O reconhecimento do problema, o comprometimento do governo de fazer algo sobre ele, a quebra de tabus sexuais e a adoção de uma agressiva campanha de prevenção estão entre os fatores que ajudaram o Senegal a manter um dos mais baixos níveis de infecção.

Talvez outro dos principais fatores de seu sucesso seja - apesar de ser um país com uma diversidade étnica e lingüística - o fato de que mais de 92% de sua população é muçulmano sunita. As irmandades muçulmanas e os líderes religiosos, importantes elementos da sociedade, têm sido usados na vanguarda do combate à aids.