Título: Combate à poluição pode aquecer o planeta
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2005, Vida&, p. A22

Reduzir a quantidade de aerossóis na atmosfera, um dos objetivos das estratégias de combate à poluição global, pode ter o efeito contrário ao perseguido pelos ambientalistas e levar a um futuro mais sombrio do que muitos legisladores gostariam. Em apenas quatro páginas, três pesquisadores publicam hoje na revista científica Nature (www.nature.com) os resultados de um cenário em que haverá menos partículas suspensas no ar. Segundo eles, o sucesso das políticas de controle dos aerossóis, que contribuem para manter a Terra mais fresca, somado à contenção frouxa da emissão global de dióxido de carbono (CO2) deixarão o planeta em média 6º C mais quente, em 2100, em comparação com o período antes da Revolução Industrial.

Pode parecer pouco, mas as conseqüências em todo o sistema climático seriam catastróficas. Tal temperatura é mais alta do que as projetadas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgadas em 2001, de 1,5º C a 4,5º C dependendo do cenário. O órgão, ligado às Nações Unidas, diz que tal variação seria suficiente para transformar a Amazônia em cerrado, por exemplo, além de elevar o nível dos oceanos e ameaçar as cidades costeiras, onde vive a maior parte da população mundial.

O que o novo estudo propõe é pior do que isso e será incluído no próximo relatório do painel, a ser divulgado em 2007. Uma melhora da qualidade do ar leva à queda na quantidade de aerossóis suspensos. Só que as partículas atuam como um freio do impacto dos gases que causam o efeito estufa. Com a diminuição dos aerossóis, enfraquece o controle da temperatura.

"A força real do gases do efeito estufa tem sido mascarado pelo efeito dos aerossóis. Eles freiam o aquecimento - e nós realmente não sabemos com que intensidade", explica o principal autor, Meinrat Andreae, do Instituto Max Plank, na Alemanha. "Esta nova maneira de integrar os aerossóis, os gases do efeito estufa e os efeitos na biosfera altera o quadro em que a mudança climática mais provável (do IPCC) é bastante tolerável para uma em que existe um risco alto da mudança ocorrer mais cedo e em um grau mais alto."

AÇÃO E REAÇÃO

Os aerossóis são partículas pequenas, sólidas e líquidas, de diversas composições químicas que ficam suspensas no ar. Elas são liberadas na fumaça e em processos químicos como a queima de combustíveis. Sua vida na atmosfera é de apenas duas semanas, ao contrário do CO2, que permanece por mais de 50 anos. "Como um é cumulativo e o outro não, o cumulativo vai sempre ganhar em longo prazo", afirma Andreae.

As partículas tendem a formar relações sinérgicas com os poluentes e atuam como núcleos de condensação para a formação de nuvens. Elas também absorvem a energia que vem do Sol e reduzem a quantidade de radiação que chega ao solo.

Segundo estudos recentes, publicados neste ano, a Terra hoje retém 1 watt por metro quadrado de radiação solar, provocando um desequilíbrio energético no planeta. "Se não fosse pelo efeito resfriador dos aerossóis, esse número teria aumentado ainda mais", explica o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP).

Para ele, o estudo "coloca um novo paradigma" sobre as mudanças climáticas, uma vez que mostra a urgência de se estabelecer medidas rígidas de controle do carbono na atmosfera. "A tendência é que cada vez menos aerossóis sejam lançados. Medidas neste sentido foram tomadas em São Paulo, na Cidade do México, na Europa", diz. "O esforço agora deve ser feito para reduzir a emissão de CO2."

A principal estratégia em vigor é o Protocolo de Kyoto, acordo global que visa a redução de emissão de gases do efeito estufa. Cientistas, ambientalistas e políticos assumem que ele é apenas um primeiro passo a ser dado e uma tática mais efetiva precisa ser tomada rapidamente, para que a temperatura não suba tanto quanto indicado nas projeções.