Título: No caso Suzane, regra prevaleceu sobre mérito
Autor: Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2005, Metrópole, p. C1

Suzane von Richthofen planejou o assassinato dos pais. Abriu a porta de casa para que os irmãos Daniel e Christian Cravinhos de Paula e Silva entrassem e golpeassem a cabeça das vítimas com barras de ferro. Mesmo assim foi solta. Por quê? Especialistas explicam que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) limitou-se a examinar as formalidades do processo e não julgou o mérito do caso, a crueldade do crime. A Justiça brasileira é assim: formalista. Isso vale até para o mais perigoso dos bandidos, como o traficante de drogas Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Se as normas processuais não forem respeitadas, a Justiça mandará soltá-lo.

Os três ministros do STJ que votaram pela concessão do habeas-corpus decidiram que a decretação da prisão de Suzane, ocorrida em 2002, não estava bem fundamentada, o que contrariava princípio processual. Segundo o criminalista Alberto Toron, assistente de acusação contra os Cravinhos, o decreto de prisão preventiva não fundamentou a necessidade da prisão. "Houve economia de argumentos por parte do juiz." Não faltavam motivos para a jovem ficar presa, mas ele não os expôs. "O juiz disse que ela devia ficar presa para não comprometer sua integridade física. Se é para não correr perigo na rua, vamos prender todo mundo."

O advogado afirmou também que, como a prisão preventiva dos irmãos foi determinada no mesmo decreto, eles podem pleitear o mesmo benefício. A advogada dos Cravinhos, Gislaine Jabur, foi procurada, mas não quis se pronunciar.

O professor de Direito Penal Luiz Flávio Gomes concorda que o STJ devia estender o direito à liberdade aos Cravinhos. Ele também ressalta que Suzane ficou tempo demais na prisão sem julgamento, o que pode ter sido considerado para sua soltura. "O problema é o mal funcionamento da Justiça."

O "culto ao formalismo" é criticado no Ministério Público como o principal fator que emperra os processos nos cinco tribunais do júri de São Paulo. Para o promotor Carlos Cardoso, assessor de direitos humanos da Procuradoria-Geral da Justiça, o número de tribunais do júri em São Paulo devia dobrar em face ao índice de homicídios - 540 mil assassinatos no País nos últimos 24 anos.

O procurador de Justiça José Guerra Armed aponta a mesma falha. Ele ressalta que uma estrutura viciada torna a questão dos prazos processuais uma "piada de mau gosto". A começar pelos inquéritos policiais, que levam em média um ano e meio para terminar quando a lei estabelece de 10 a 30 dias. Armed diz que promotores e juízes acolhem, sem questionamento, pedidos de prorrogação de prazos feitos pela polícia. A instrução do processo raramente se encerra no prazo legal de 81 dias.

O procurador lembra que no júri um réu raramente é levado a julgamento em menos de três anos. Quando o acusado tem bons advogados, os recursos podem adiar os julgamentos por cinco a oito anos. Nenhum recurso, mesmo o mais simples, é julgado em menos de dois anos no Tribunal de Justiça. E os recursos possíveis são infindáveis, chegando até aos tribunais superiores, em Brasília. Enquanto isso, os réus vão para a rua.