Título: Dilma avisa que não vai ter apenas papel técnico
Autor: Tânia MonteiroGerusa Marques
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/06/2005, Nacional, p. A6

Ministra aproveita discurso de posse para responder a críticos, afirma que também terá atuação política e ressalta a importância de relacionamento com o Congresso

A nova chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, aproveitou seu discurso de posse para responder aos que a acusam de falta de disposição para o jogo político e avisou que sua atuação a partir de agora não será apenas técnica. "O trabalho de gestão não é um trabalho exclusivamente técnico, ele é técnico também. Mas tem um componente político baseado nas políticas que os governos adotam para realizar", disse. "Todos aqueles que pretendem ver na gestão um componente pura e simplesmente técnico não percebem que é da vontade dos homens que emerge uma nova sociedade e das possibilidades de transformação, com estabilidade e com democracia em nosso País." Dilma indicou ainda como pretende se relacionar com o Congresso: "Acredito na importância de uma interface com o Parlamento, sem a qual não há, de fato, os princípios da democracia respeitados na relação Executivo-Legislativo." Ela se referiu com admiração a Dirceu, lembrando que ambos são amigos há 40 anos e lutaram juntos contra a ditadura militar. E encerrou seu pronunciamento com linguagem de guerra: "Eu lutarei para estar à altura da minha missão." Diante de uma platéia de 500 convidados, Dilma recebeu um abraço de Dirceu ao final de seu discurso, mas não foi aplaudida de pé, como o ex-ministro. Num sinal de que está absolutamente afinada com a retórica do antecessor, a ex-ministra de Minas e Energia falou da necessidade de reconstrução do Estado brasileiro. "Isso definitivamente não é um trabalho técnico. Isso definitivamente é um trabalho político, um trabalho da política entendida no sentido mais nobre do termo, que é a capacidade de homens e mulheres tentarem realizar um projeto nacional de desenvolvimento sustentável, um projeto de inclusão da população brasileira no desenvolvimento", disse.

HERANÇA O governo Fernando Henrique foi alvo de críticas de Dilma, que apontou o sucateamento do Estado como uma herança maldita administrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "O Brasil realizou muito neste período", assegurou. "Acredito que para isso ocorrer houve todo um trabalho de gestão que desemboca na reconstrução do Estado brasileiro, de uma série de instituições que estavam, se não abaladas, pelo menos seriamente comprometidas em alguns casos. Em outros, instituições que passaram a inexistir, tirando do País a capacidade até de planejar." A ministra citou realizações de alguns ministérios, como Justiça, Agricultura, Desenvolvimento Agrário e Turismo, mas não citou a Saúde. Disse ainda que "tem história" nas Minas e Energia e voltou a falar sobre o afastamento de novos apagões e do fim das tarifas caras de energia elétrica. Dilma chegou a citar expressões usadas por Dirceu, ao falar do gerenciamento do governo e comentar sua missão de "facilitadora" do trabalho dos ministros. "Eu pretendo potencializar todo esse trabalho de implantação realizado na Casa Civil e, sobretudo, conseguir criar um ambiente para que todas as políticas desenvolvidas por cada ministro em seu ministério tenham uma expressão clara para a sociedade", afirmou. "Minha missão hoje deixa de ser a de uma executora de política e passa a ser mais de facilitadora e potencializadora do trabalho realizado pelos meus colegas." A nomeação da ministra Dilma Rousseff para a Casa Civil pode significar o adiamento definitivo das obras da usina nuclear Angra 3. Com o afastamento de José Dirceu, perde força a idéia de ressuscitar o projeto - lançada oficialmente pelo ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. No governo, Dirceu era o mais poderoso defensor da proposta. Dilma e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, eram contra a retomada de Angra 3 e trabalhavam para derrotar a idéia no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Mas em abril as duas foram surpreendidas pelo anúncio da posição de Dirceu, que deixou dividido o conselho, onde o assunto é discutido por seus nove integrantes com direito a voto. Dilma e Marina defendem a tese de que Angra 3 não é prioridade, tanto do ponto de vista econômico quanto energético e ambiental. Eduardo Campos acredita que a usina é um projeto estratégico para o programa nuclear brasileiro. Ele acha que não há motivo para perder o investimento de US$ 780 milhões feito na usina. A previsão é de que ainda serão necessários US$ 1,8 bilhão para concluir as obras. Os ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento ainda não se manifestaram sobre o tema. Também têm voto no CNPE o secretário de Energia de São Paulo, Mauro Arce, representando Estados e municípios, e o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jérson Kelman, representando as universidades - ambos devem acompanhar a posição de Dilma. Dilma terá voto duplo no conselho: um pelo Ministério de Minas e Energia, já manifestado, e outro pela Casa Civil. Ainda não está marcada a data do próximo encontro do CNPE. Em outro embate, na área ambiental, Dilma também ganha força ao assumir a Casa Civil. Até o fim do ano, o governo deve realizar o primeiro leilão de energia nova. Antes, porém, é necessário conseguir a licença ambiental para a construção de 17 usinas hidrelétricas que vão produzir essa energia, a ser entregue a partir de 2009. A previsão é que as licenças ambientais sejam liberadas até agosto, o que depende de negociação com o Ministério do Meio Ambiente. Na área de regulação, a Aneel não representou um desafio duro para a ministra. Dilma mantém com Jerson Kelman uma boa convivência, sem divergências aparentes. O novo modelo do setor elétrico também colaborou para concentrar no Ministério de Minas e Energia o controle das concessões. O poder de outorgar as licenças e de assinar os contratos foi transferido da Aneel para o ministério. No caso da presidência da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a disputa se dará no plenário do Senado. O nome indicado por Dilma - José Fantine - foi derrotado na Comissão de Infra-Estrutura do Senado,Mas o governo já disse que vai insistir na indicação e trabalhar para que Fantine seja aprovado no Plenário. Será um teste para a coordenação política de Dilma.