Título: PF investiga contas de propaganda do governo
Autor: Vannildo Mendes
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2005, Nacional, p. A6

A Polícia Federal e o Ministério Público começam hoje a fazer uma devassa nas contas publicitárias do governo Lula para investigar indícios de lavagem de dinheiro do caixa dois de partidos políticos. A investigação vai começar mesmo sem a colaboração do governo, que até ontem se recusava a enviar as informações pedidas por duas vezes pelos procuradores da República que atuam no inquérito em Brasília. O principal alvo da devassa é o empresário Marcos Valério de Souza, detentor das maiores fatias publicitárias na administração direta e estatais. A administração direta da União, que inclui o Palácio do Planalto e os ministérios, gastou em publicidade 232,9 milhões em 2003 e R$ 339 milhões no ano passado, conforme levantamento feito no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) pelo gabinete do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS-DF).

O Ministério Público e a PF apurarão a denúncia de que parte dessa verba pode ter sido utilizada para pagar o mensalão a parlamentares da base aliada, como afirmam o deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) e a secretária Fernanda Karina Somaggio, que trabalhou para o publicitário Marcos Valério de Souza.

Para o Ministério Público e a PF, o testemunho da secretária é tão ou mais importante que o de Jefferson, porque ela tem a agenda dos encontros entre o chefe, Marcos Valério, e os representantes do PT que supostamente operavam o mensalão, o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, e o secretário-geral, Sílvio Pereira. A agenda já está sendo periciada pela PF.

Karina reafirmou as denúncias feitas em entrevistas à revista Isto É Dinheiro e à TV Globo. Marcos Valério é dono das agências de publicidade DNA, que cresceu mais de 200% no governo Lula, e a SMPB Comunicação.

Marcos Valério possui também participação pública ou disfarçada em diversas outras empresas, inclusive numa produtora de eventos, a Multiaction, que organiza os promoções do Banco do Brasil. A DNA, agência que faturou mais de R$ 70 milhões no ano passado, atua no Banco do Brasil, Eletronorte, Correios e nos Ministérios do Trabalho e do Esporte.

A PF e o Ministério Público têm indícios de que pelo menos três dessas fontes - Banco do Brasil, Eletronorte e Correios - supriam, por meio das agências e empresas de Marcos Valério, fundos para o caixa dois dos partidos da base aliada, que supostamente alimentavam a conta dos mensalistas do Congresso Nacional.

Além do governo federal, serão analisados também os gastos gigantescos das estatais com publicidade. Só a Petrobrás gastou R$ 161,1 milhões no ano passado com as agências Que, Duda Mendonça e F/Nazca, que cuidam da sua conta. O Banco do Brasil, segundo no ranking dos gastadores, aplicou R$ 151,9 milhões nas contas bancárias da Olgyvi e DNA e Dmais.

A Caixa Econômica Federal, outra grande gastadora federal, gastou R$ 74,3 milhões em 2004 com as titulares da sua conta, as agências SNBB, TBWA e Fisher América. Já a Empresa de Correios e Telégrafos, pivô do maior escândalo do governo Lula, destinou R$ 39,9 milhões às agências SMPB, Giovanni e Link. Entre os ministérios, estão à frente do ranking os da Educação (R$ 73,8 milhões) e da Saúde (R$ 52,9 milhões). Serão investigados indícios de que essas duas pastas teriam usado a relativa autonomia para montarem esquemas regionais de arrecadação, envolvendo publicitários e empresas afins do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, respectivamente.

Outro acusado de ter montado esquema regional de caixa dois é o Ministério do Desenvolvimento Social, comandado pelo ministro Patrus Ananias, que também será objeto de investigação.

BOA VONTADE

Mas, para avançar nas investigações, o Ministério Público e a PF dependem da boa vontade do procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, que, às vésperas de deixar o cargo, no próximo dia 30 de junho, tem tido comportamento muito comedido em relação às denúncias contra o governo.

Para a PF e o Ministério Público, a rubrica dos gasto com publicidade é o meio mais fácil de desviar recurso público sem despertar suspeita.

As campanhas publicitárias têm valor subjetivo, ao contrário da licitação para compra de bens materiais. A suspeita é que parte do dinheiro das campanhas possa ter retornado para engordar o caixa dois dos partidos da base aliada. Sílvio Pereira e Delúbio Soares também serão alvo da investigação.