Título: Na volta de Dirceu, guerra na Câmara
Autor: Cida Fontes
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2005, Nacional, p. A8

Tudo foi cuidadosamente preparado para que a volta do deputado José Dirceu (PT-SP) ao plenário da Câmara fosse uma festa política, mas tudo acabou em confusão e pancadaria. E não foi nem por culpa do velho agitador estudantil, ontem travestido em moderado e contido nas palavras. Mas parlamentares do PT e uma claque de militantes do partido, que lotou as galerias, atuaram em sintonia, gritaram palavras de ordem e criaram um clima de enfrentamento. Dirceu mal conseguiu concluir o seu discurso. Ao final, a reestréia de Dirceu funcionou ao revés da proposta que ele levou para a tribuna - de que voltaria à Câmara para trabalhar pelo consenso e por uma política de alianças, sinalizando para uma convivência cordial com a oposição. O tumulto que atropelou a festa serviu, ao contrário, para acirrar a tensão entre o PT e a oposição.

Dirceu chegou à Câmara acompanhado por uma claque de 200 militantes organizada pelos sindicatos de bancários e vigilantes de Brasília. "Zé Dirceu é meu amigo! Mexeu com ele, mexeu comigo!", gritavam os militantes, empunhando bandeiras do PT. Animado pela claque, Dirceu admitiu: "Isso faz bem para o coração e para a alma". A claque foi para as galerias, de onde, antes mesmo do discurso, já gritava: "Partido! Partido! É dos trabalhadores!"

Logo o coro era reforçado, do plenário, pelos deputados do PT. O presidente da sessão, José Thomas Nonô ( PFL-AL), ameaçou pela primeira vez esvaziar as galerias. "A casa é nossa", respondiam os petistas das galerias, vaiando o deputado.

Logo que Dirceu começou a falar brotou o tumulto: ele dizia defender a liberdade de imprensa porque foi vítima da censura e da ditadura. "Terrorista!", gritou quatro vezes Jair Bolsonaro (PL-RJ). O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, já no comando da sessão, advertiu o deputado. Dirceu pouco avançou.

Logo disse que a essência da democracia é o direito da minoria e que trabalharia para buscar o consenso e a convergência, ressalvando que, quando a convergência não existe, é preciso disputar no voto. "Você compra voto!", voltou a provocar Bolsonaro. Alguns parlamentares tentaram retirá-lo do plenário, sem sucesso.

Um aparte do líder do PSDB, Alberto Goldman (SP) instalou, num curto espaço, um debate civilizado. O tucano contestou Dirceu, dizendo que os projetos e números que ele apresentava eram frutos de desejos, e não da realização do governo. Encerrou num tom ameno: "Bem-vindo deputado, por que aqui V. Exa. vai tratar conosco do mesmo nível, pois aqui somos todos iguais. Bem vindo".

Em outro aparte, Ricardo Barros (PP-PR), um aliado do governo, falou a Dirceu que o País "não foi entregue (por Fernando Henrique Cardoso) nas condições em que o senhor disse". Alertou para o momento difícil e disse que a crise reclama ponderação.

Dirceu acompanhou o tom. Com incomum fidalguia, lembrou que o PT, por sua influência, derrotara a proposta do "Fora FHC". Corrigindo o que afirmara há dois dias ("Governarei do Congresso"), disse ter humildade para reconhecer seus erros e que voltava à Câmara apenas como um deputado do PT: "Não pretendo ser mais do que isso", afirmou, entre aplausos.

Mas o mal estar logo voltou quando outros deputados pediram apartes e Dirceu negou. O plenário virou um caos: a galeria gritava em uníssono, deputados berravam a favor e contra, a deputada Luciana Genro (PSOL-RS) pedia a palavra aos gritos; Severino cobrava respeito, mas ninguém o ouvia.

No fim do discurso, o tumulto aumentou e Severino suspendeu a sessão por duas vezes. Carlito Merss (PT-SC) levou um soco no estômago do ex-petista João Fontes (PDT-SE). Logo João Batista Babá (PSOL- PA) e Paulo Pimenta (PT-RS) começaram outra briga.

Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) tentou arrancar de Bolsonaro um saco de lixo com as palavras "Mensalão" e "Lullão" e a estrela-símbolo do PT. Defendida por Fernando Ferro (PT-PE), a deputada saiu machucada no rosto.